16 | 02 | 2022

A (in)aplicabilidade do CDC a contratos de prestação de serviço de marketing digital

Com o aumento substancial da utilização do Instagram e outras plataformas digitais para publicidade dos mais diversos negócios, é certo que surgiria um ramo de especialização com o objetivo de tornar essa forma de propaganda o mais eficiente possível. É o caso das empresas de marketing digital, que estudam com afinco para entender o melhor uso possível das plataformas digitais e oferecer essa expertise aos donos de pequenos e grandes negócios que pretendem utilizar essas ferramentas para expandir sua base de clientes.

Tais empresas atuam no mercado de diversas maneiras: oferecem cursos ou mentorias, assumem a criação de conteúdo para seus clientes e, por vezes, inclusive o controle de seus perfis nas redes sociais. Para os contratantes, é uma oportunidade de fazer com que sua marca chegue aos olhos de mais pessoas, conquistando clientes a partir da combinação entre publicidade atrativa e conteúdo interessante. O método é estudado por esses profissionais e então oferecido no mercado, com enorme adesão.

Transferindo o foco para o dia a dia do operador do Direito, uma questão digna de análise é a aplicabilidade, ou não, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) aos contratados firmados entre as prestadoras do serviço de marketing digital e esses empreendimentos que pretendem utilizar-se da publicidade no meio digital. Como ponto de partida, é importante retomar brevemente a conceituação de consumidor nos termos legais.

Consumidor é aquele que utiliza determinado produto ou serviço como destinatário final, nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. E destinatário final, consoante a corrente utilizada pelo Superior Tribunal de Justiça, é aquele que emprega o produto ou serviço adquirido para seu uso pessoal e de sua família, retirando-o do mercado. No caso de pessoas jurídicas, poderiam estar abarcadas por esse conceito as não empresariais e, ainda que empresariais fossem, aquelas que adquirem produto ou serviço sem que isso caracterize insumo produtivo.

Importante menção se deve fazer ao chamado finalismo mitigado ou finalismo aprofundado, adotado pela doutrina e pela jurisprudência como uma forma de extensão do conceito do artigo 2º do código consumerista, permitindo a aplicação do CDC a relações interempresariais quando um dos polos se mostrar vulnerável de maneira técnica, jurídica, fática ou informacional em relação ao outro. Ressalte-se que a análise deve ser realizada entre as partes da relação jurídica, traçando uma conclusão específica a cada caso.

Tendo tais considerações em mente, cabe a verificação de aplicação dos conceitos expostos ao caso em análise. Deveria o Código de Defesa do Consumidor ser aplicado aos contratos firmados com empresas ou agências de marketing digital?

Inicialmente, seria possível argumentar que, por se tratar de produto ou serviço adquirido por empresário para incrementar sua atividade negocial, não estaria o adquirente na condição de destinatário final do bem. Esse entendimento vai ao encontro da definição encontrada na teoria finalista, hoje majoritariamente aceita pela jurisprudência, de que somente pode ser considerado consumidor o destinatário final de um produto ou serviço que o adquire para uso pessoal e de sua família.

A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, ao analisar caso de prestação de serviços de marketing digital [1], entendeu justamente dessa maneira. Os julgadores concluíram que não existiria relação de consumo entre as partes, tratando-se de prestação de serviços com o objetivo de incrementar a atividade negocial, inexistente utilização do bem como destinatário final.

Esse também foi o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao analisar caso bastante parecido em que era apelante, curiosamente, escritório de advocacia que fazia uso de serviços de marketing digital [2]. Ao analisar a aplicação das normas do CDC, a 13ª Câmara Cível da corte mineira entendeu que a contratação de especialista em publicidade digital possui a finalidade de incrementar a atividade empresarial, guardando relação com a atividade econômica exercida, não se enquadrando o escritório apelante como destinatário final do serviço.

E, de fato, é nessa situação que se enquadram os contratos de que tratamos. A prestação de serviço ou fornecimento de produtos de publicidade virtual pretende justamente o incremento da atividade negocial de quem os adquire por meio do aumento da carteira de clientes e da criação de oportunidades negociais.

Tais situações são tratadas pelo Superior Tribunal de Justiça, há anos, como atividade de consumo intermediária. Em diversos julgados, os ministros da 2ª Seção do tribunal superior proferem a tese de que “a aquisição ou a utilização de serviços por pessoa jurídica com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial não é relação de consumo, mas atividade de consumo intermediária” [3].

A ideia de existência do consumidor intermediário é pacífica na 4ª Turma do STJ. Em caso recente, o órgão julgador entendeu que a aquisição de serviços de informática com o escopo de tornar mais eficiente a atividade econômica do adquirente afasta a aplicação do Código de Defesa do Consumidor [4]. No mesmo julgado, no entanto, firmou-se a ressalva de que tal afastamento poderia ser mitigado se comprovada a situação de vulnerabilidade da parte adquirente.

E essa é de fato uma ressalva importante. Em que pese se considere a teoria do “consumidor intermediário” (o conceito apresenta contradição, afinal, se é intermediário, implícito não se tratar de destinatário final), é verdade que a jurisprudência recente já entendeu possível a aplicação do CDC à aquisição de bens e serviços que visam ao incremento da atividade negocial quando comprovada a vulnerabilidade de uma das partes, aplicando-se a teoria do finalismo mitigado ou aprofundado.

Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça, em precedente também recente, determinou que “aplica-se o CDC nas relações que envolvem o destinatário intermediário do bem quando constatada sua manifesta vulnerabilidade” [5], possibilitando a incidência das normas da legislação consumerista a caso em que houve a chamada “atividade de consumo intermediária”.

Sendo assim, poderia o Código de Defesa do Consumidor ser aplicado aos contratos de prestação de serviço de marketing digital? Ora, tendo em vista todo o exposto, podemos chegar à resposta que o Direito tanto gosta de nos fornecer a respeito de nossos anseios: depende. Inicialmente, constata-se que estaríamos tratando de aquisição de produto ou serviço não como destinatário final, mas para incremento da atividade econômica, o que afastaria o microssistema do CDC.

No entanto, tal constatação é insuficiente para concluir a esse respeito. Para o Superior Tribunal de Justiça, é necessário analisar, em cada caso, se existe vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou informacional de uma das partes em relação a outra. Existente tal hipossuficiência, incidirá o Código de Defesa do Consumidor ainda que não se trate a parte vulnerável de destinatária final do produto ou serviço. Se inexistente, a solução é a não incidência das normas consumeristas.

Pode-se conjecturar que, em contratos de prestação de serviços de marketing digital, não há, a priori, grandes vulnerabilidades a serem notadas. Normalmente, ambas as partes detêm conhecimentos e capacidades equivalentes, sendo o gerenciamento de publicidade digital assunto de possível compreensão da parte contratante.

Admite-se que o assunto é, evidentemente, controverso e amplo. Apesar dos melhores esforços ora despendidos, não é possível tratar de tudo o que envolve a questão nesse artigo. Tais relações jurídicas ainda são bastante novas e é certo que mais precedentes serão criados a respeito do assunto, haja vista a litigância que é esperada com origem em contratos de prestação de serviços de marketing digital.


[1] BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Recurso Inominado n. 0729146-64.2019.8.07.0016. Relatora: Gabriela Jardon Guimarães de Faria. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 9 mar. 2020. 

[2] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 5138973-42.2017.8.13.0024. Relatora: Maria das Graças Rocha Santos. Diário da Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 23 out. 2020.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 642.589/PR. Relatora: Maria Isabel Galotti. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 31 out. 2016.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno em Recurso Especial nº 1.925.971/SP. Relator: Luis Felipe Salomão. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 1 dez. 2021.

[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.591.803/PR. Relator: Marco Aurélio Belizze. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, 12 fev. 2021.

Por

Vitor Esmanhotto da Silva

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Pós-graduando em Relações de Consumo e Compliance nos Mercados pela PUC/PR. Membro da Comissão de […]

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