04 | 07 | 2019

A MP da Liberdade Econômica: da euforia às dúvidas

Em meio às incertezas no cenário econômico brasileiro, especialmente com relação à aprovação de reformas estruturantes – como a da Previdência -, a Medida Provisória n. 881/2019, publicada em 30 de abril pelo Governo Federal, aparentemente surge como um alento efetivo para reduzir a burocracia e a intervenção do Estado na atividade econômica. O texto realça significativas mudanças nas áreas dos direitos Civil, Empresarial, Administrativo, Regulatório e Urbanístico. É tão abrangente e significativa que recebeu o nome de “MP da Liberdade Econômica”. Se há euforia, também há dúvidas sobre a sua eficácia e aplicabilidade.

A medida apresenta 17 principais pontos, também conhecidos como “liberdades”, que estão lastreados em três princípios: a liberdade de iniciativa, a presunção de boa-fé do particular e a já citada intervenção mínima do Estado. Precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional até setembro, mas a expectativa é de que isso ocorra antes. Uma das razões é justamente o seu suposto alcance imediato na dinamização do ambiente de negócios.

A medida elimina, por exemplo, a necessidade de apresentação de licença, alvará ou autorização para a abertura de empresas consideradas de “baixo risco”, como atividades empreendedoras desenvolvidas para a subsistência própria ou familiar e pequenos negócios em modelagem flexível, especialmente na área da inovação e startups. Caberá aos municípios regulamentar quais são as atividades de “baixo risco”, definindo também prazo para conceder licenças quando necessárias. Caso não cumpram, tais autorizações serão dadas automaticamente.

E vai além: esses negócios de baixo risco poderão atuar em qualquer horário da semana, desde que não causem danos ao meio ambiente, não gerem poluição sonora e perturbação ao sossego da população, e respeitem as leis trabalhistas.

Com isso, o governo busca garantir eficiência e celeridade nas solicitações de alguns atos públicos de liberação de atividade econômica. A MP deixa um horizonte para a implementação do um “Estado Liberal”. Há mais exemplos nesse sentido, como o tratamento isonômico de órgãos da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação de atividade econômica e a festejada presunção de boa-fé. Nesse caso, quaisquer dúvidas na interpretação do direito devem ser sanadas tendo como baliza o respeito aos contratos e atos privados. É um passo consistente na busca da segurança jurídica e que faz prevalecer a autonomia da vontade empresarial sobre a atuação do Estado nos negócios privados.

Novo olhar sobre a atividade econômica

A Medida Provisória nº 881/2019 avança também em áreas do Direito Civil ao garantir, por exemplo, maior rigor na desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil e aplicada em casos de desvio de finalidade ou abuso de poder, resultando na perda da autonomia patrimonial do sócio da empresa. A nova redação do artigo do Código Civil proposta pela MP define conceitos de desvio de finalidade e passa a exigir a comprovação do dolo, protegendo assim o empresário de ter seu patrimônio pessoal atingido. A proteção alcança, ainda, empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico que, pela regra atual, podem ser igualmente implicadas.

Outra alteração promovida pela MP no Código Civil foi a criação da Sociedade Limitada Unipessoal, possibilitando a criação de empresas formadas por um único sócio. Esta é uma das mudanças mais celebradas, pois atualmente, exige-se das sociedades a existência de pelo menos dois sócios no contrato social.

Também passa a ser permitido o armazenamento digital de documentos hoje exigidos no papel. Em outra frente, a MP facilita o caminho para a entrada de pequenos e médios empreendedores no mercado de capitais, diminuindo as exigências e tendo a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) como balizadora. A mesma CVM poderá permitir a criação de fundos de investimento com responsabilidade limitada.

Com a MP n. 881/2019, o governo vai ao encontro de uma recorrente bandeira do mercado quanto ao desempenho do Brasil no Índice de Competividade Global. Criado pelo Fórum Econômico Mundial, o ranking coloca o País em condição intermediária – na 72ª posição entre 140 nações.

E há os pressupostos que asseguram as garantias da liberdade econômica, expressos no artigo 4º da MP, os quais devem ser observados pela Administração Pública em seus atos de regulamentação e regulação. Nesse caso tornam-se indevidas práticas como criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico ou profissional em prejuízo à concorrência; criar privilégios para determinado segmento econômico e demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional – inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros.

Mas há controvérsias

A Medida Provisória, da maneira como está escrita, levanta algumas dúvidas e suspeitas sobre a sua eficácia e aplicabilidade. Salomão Ribas Júnior, Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca, olha a medida com um tanto de ressalvas. “É extremamente pretenciosa no seu enunciado, de competência e qualidade discutível, e confusa na técnica legislativa – na redação de vários dispositivos”, analisa, alertando para as muitas confusões que traz. “Em primeiro lugar, a constituição diz que o Presidente da República pode adotar medidas provisórias nos casos de relevância e urgência. A relevância dessa matéria é até fácil de demonstrar. Realmente, os entraves burocráticos são de tal ordem que qualquer esforço nesse sentido é importante. A urgência é que fica comprometida. Uma medida provisória vigora 60 dias, mais 60 e depois caduca se o Congresso não deliberar”, explica o advogado.

Ribas Júnior lembra que se pode fazer um projeto seguindo as regras usuais de preparação de um documento dessa natureza com consultas públicas, ouvindo a classe empresarial e os trabalhadores. Ele aponta, também, alguns estudos importantes sobre o tema que já vêm sendo feitos, como o de um grupo vinculado à Fundação Getúlio Vargas que trabalhou em um projeto de lei da liberdade econômica e das finalidades públicas da regulação.

Para exemplificar, o Doutor em Direito levanta as citadas questões de licença ambiental. “É onde há mais problema de demora na expedição de documentos. A lei diz que vai regular e liberar dessa burocracia inicial as atividades de menor risco, de baixo risco, mas diz depois que vai ter que haver um ato do poder executivo para definir o que é baixo risco. E de fato isso é uma coisa extremamente complicada. É importante fazer essa definição com muita clareza, uma vez que você tem ali a fixação do prazo para deliberação”, continua Salomão Ribas.

Ele se refere ao prazo que não se sabe como será fixado. “Eu pergunto: é o funcionário do protocolo que vai fixar esse prazo, é um algoritmo do computador que vai fixar o prazo?”, questiona – referindo-se ao inciso IX do art. 3º do Capítulo II, da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica:.

“IX – ter a garantia de que, nas solicitações de atos públicos de liberação da atividade econômica que se sujeitam ao disposto nesta Medida Provisória, apresentados todos os elementos necessários à instrução do processo, o particular receberá imediatamente um prazo expresso que estipulará o tempo máximo para a devida análise de seu pedido e que, transcorrido o prazo fixado, na hipótese de silêncio da autoridade competente, importará em aprovação tácita para todos os efeitos, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas na lei;

“Isso aqui é um desastre. Porque nunca se faz um período com tantas intercaladas que só suscitam interpretações equivocadas. E quem é que fixa isso, é o funcionário do protocolo? Alguém tem que fixar esse prazo. É direito do cidadão receber um prazo. Vai negociar com quem?”, ressalta Salomão Ribas Júnior, atentando ainda que a Medida Provisória altera uma série de outras leis e, mais do que isso, mexe em vários artigos do Código Civil. “Então, decididamente, isso não é matéria para ser tratada por Medida Provisória. Teria que ser objeto de um outro Projeto de Lei”, sentencia.

O jurista finaliza acentuando que a proposta deveria disciplinar as regras gerais como Lei Federal e no que couber cada Estado poderia cuidar de seus procedimentos administrativos com vistas à celeridade processual para definir as autorizações de licenças. “De fato, há uma série de exigências burocráticas que são desanimadoras. As pessoas desistem de tentar estabelecer alguma coisa ou trabalham na ilegalidade”, avalia Salomão Ribas Jr..

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