30 | 03 | 2022
Atualmente existem diversos projetos de lei e propostas de emenda à Constituição com o objetivo de viabilizar a tão esperada reforma tributária brasileira. Há muitas ideias na mesa, e a questão pode ser examinada por diversos ângulos. Neste texto concentraremos nossas atenções em um aspecto específico constante do Projeto de Lei n. 2.337/2021, que busca alterar a forma de tributação da renda no Brasil.
Trata-se de um projeto aprovado de forma açodada na Câmara dos Deputados e que segue em debate no Senado Federal. As mudanças, num panorama geral, consistem na modificação da tributação das pessoas físicas e jurídicas, além de alguns aspectos pontuais na forma de tributação dos fundos de investimento e do mercado financeiro.
Um dos pontos polêmicos – possivelmente o mais – é a tributação dos dividendos distribuídos aos sócios. O objetivo, declarado em exposição de motivos, é aproximar a forma de tributação corporativa brasileira da praticada pelos países membros da OCDE e de alguns não membros emergentes (o projeto cita China, Índia, Argentina, África do Sul e Colômbia).
O tema é importante também em face daquilo que, com certa frequência, tem ocorrido em matéria tributária: a importação de institutos jurídicos utilizados por outros países de forma acrítica em relação ao contexto doméstico. Se o projeto de lei no Senado Federal prosseguir no ritmo sugerido pelo relator, o Senador Angelo Coronel, o tema será discutido com a sociedade antes do encaminhamento para a votação final, quando serão seus pontos mais sensíveis, no mínimo, aperfeiçoados.
Alguns ajustes estão sendo propostos, e tudo indica que o texto final deve melhorar. Somente para ilustrar, no início deste mês foi proposta uma emenda (n. 24), de autoria do Senador Cid Gomes, que subordina a tributação dos dividendos aos termos e às alíquotas constantes dos tratados para evitar a dupla tributação firmados pelo Brasil, em respeito aos artigos 5º, § 2º, da Constituição e 98 do Código Tributário Nacional e, em última análise, ao contribuinte brasileiro. Ajustes como esse devem ser debatidos com a sociedade e ponderados com a importância que o tema merece.
A despeito dos muitos desacertos do Projeto de Lei n. 2.337/2021, se bem examinarmos as mais de vinte emendas e alterações apresentadas no Senado, veremos algumas boas ideias para a tributação corporativa brasileira.
É o caso da Emenda Aditiva n. 3, apresentada no início de outubro pelo Senador Luis Carlos Heinze, que busca possibilitar às empresas brasileiras a apuração de forma consolidada. Nesse modelo, as pessoas jurídicas brasileiras submetidas ao mesmo controle – nas balizas do artigo 116 da Lei n. 6.404/1976 – poderão oferecer o Imposto sobre a Renda (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) à tributação de forma conjunta. Isso altera significativamente a forma de tributação atual, em que cada pessoa jurídica apura seu resultado a partir das receitas e despesas individualmente consideradas. Com essas modificações, o lucro de uma empresa do grupo poderá ser compensado com o prejuízo de outra, o que evitará algumas das distorções que ocorrem no modelo de tributação atual.
É interessante notar que essa não é a primeira vez que se cogita a tributação corporativa de forma conjunta. Em 1977, ano seguinte às inovações da Lei de Sociedades por Ações (Lei n. 6.404/1976), havia sido editado o Decreto-Lei n. 1.598/1977, cujo objetivo era adequar a legislação tributária às alterações da legislação societária. Naquela época, a legislação já previa essa possibilidade. A primeira seção desse Decreto-Lei continha três artigos disciplinando os requisitos, o prazo, a responsabilidade e a repartição do imposto das sociedades tributadas em conjunto. Ainda que essa possibilidade tenha sido revogada logo no ano seguinte, sem, de fato, produzir efeitos, a Emenda Aditiva n. 3 revisita um tema de extrema importância para os grupos empresariais brasileiros, especialmente porque os motivos que justificaram sua revogação – levada a cabo pelo Decreto-Lei n. 1.648/1978 –, na época, já não existem mais.
Diferentemente do que ocorria naquele período, o abismo entre as demonstrações contábeis e fiscais não é tão grande. Desde 2007, com a edição da Lei n. 11.638/2007 e da introdução dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS) no Brasil, predomina a consolidação das demonstrações da controladora e da controlada e já se verifica um amadurecimento na prática da Escrituração Contábil Digital – SPED nos planos de contas das empresas conjuntas.
É notável que a tributação corporativa brasileira tem se aproximado das práticas internacionais, mediante adesão a diversas medidas praticadas pelos países integrantes do G20, com a implementação das regras de preços de transferência, de subcapitalização e da tributação em bases universais. A faculdade de tributação conjunta é só mais uma medida nessa direção.
Além de a tributação com base nas demonstrações financeiras consolidadas representar mais um passo para o amadurecimento e alinhamento da política contábil doméstica com a padronização internacional, esse modelo (i) propicia maior eficiência tributária aos grupos empresariais, (ii) mitiga o fator indutor dos gestores para a concepção de operações artificiais, tendentes a equalizar os lucros com os prejuízos das empresas controladas, (iii) possibilita que as despesas compartilhadas sejam, de fato, repartidas entre elas e (iv) afasta a aplicação das regras de distribuição disfarçada de lucros. Ainda, (v) a apuração de um resultado único para fins fiscais possivelmente reduz o custo de conformidade da legislação tributária brasileira, o que se presume pela acaciana constatação de que, nesse modelo, a apuração do IRPJ e da CSLL será unificada.
Com a consolidação dos saldos de prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da controladora e da controlada, reduzem-se as assimetrias na carga tributária das empresas pertencentes aos conglomerados econômicos e se permite a compensação de créditos e débitos federais entre o grupo empresarial.
A tributação direcionada ao grupo decorre da circunstância de que os controladores do conglomerado possuem uma visão panorâmica dos negócios, canalizando os recursos de forma integrada e, não raro, pautados pelo resultado do grupo, não das empresas individualmente consideradas. É assim, note-se, com a centralização do departamento de compras, rateio de custos e centrais de serviços compartilhados, somente para ilustrar.
No modelo atual, a tributação do lucro a partir das demonstrações individuais não alcança os resultados positivos decorrentes de ajustes do método de equivalência patrimonial (MEP) dos investimentos em empresas brasileiras. A situação, porém, é distinta quando se trata de lucros de controladas no exterior. Nesses casos, a legislação determina a tributação pela investidora brasileira dos lucros da controlada (direta ou indireta), nos termos da Lei n. 12.973/2014. Veja-se que esse modelo não elimina a personalidade jurídica para fins tributários, mas admite que, para fins fiscais, sejam considerados outros elementos, o que já ocorre, por exemplo, com as sociedades em conta de participação, com os fundos imobiliários, entre outros.
Conforme consta da justificativa da emenda, a separação das entidades tem gerado o desequilíbrio da carga tributária incidente sobre o lucro das empresas dos grupos empresariais. Essa nova forma de tributação vai ao encontro dos reclamos constitucionais de eficiência da Administração Pública e da tributação dos impostos considerando a capacidade econômica do contribuinte. É nesse contexto que a emenda deve ser entendida. Para além da eficiência e melhor distribuição dos recursos para as empresas, essa emenda proporciona a redução de custos de fiscalização e apresenta uma boa sinalização ao investidor estrangeiro.
A Emenda n. 3 vem, portanto, em boa hora, especialmente ante o crescimento das sociedades brasileiras com investimentos em outras entidades, já maduras com a aplicação dos métodos de consolidação previstos pela Lei n. 6.404/1976, cujos procedimentos estão detalhados no Pronunciamento Técnico CPC n. 36 (IFRS-10).
Muito embora existam, por certo, alguns desafios na implementação da tributação conjunta, as noções contábeis, que prestigiam o controle, não podem ir de encontro ao conceito jurídico de patrimônio, de propriedade, de personalidade jurídica e, talvez mais importante, de realização da renda. Assim, considerando que o contexto jurídico-contábil brasileiro amadureceu muito desde a década de 1970, quando se tentou implementar essa forma de apuração, o momento é oportuno para recepcionar a tributação conjunta das sociedades brasileiras. Os grupos empresariais brasileiros merecem ter essa modalidade de tributação à sua disposição, que deve ser levada adiante pelas casas legislativas brasileiras, independentemente do desfecho do Projeto de Lei n. 2.337/2021.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Especialista em […]
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