29 | 07 | 2019

A tributação da redução das multas e dos juros no PERT

Artigo de autoria do sócio Rodrigo Schwartz Holanda e publicado no portal Jota

Uma das discussões que tem recebido holofotes em matéria tributária é a redução de passivos. Em março de 2019, a Câmara Superior de Recursos Fiscais analisou o caso da Silvo Santos Participações S/A (Acórdão n.º 9303­008.341) e decidiu que “a redução do Passivo sem uma contrapartida do Ativo, em razão da remissão parcial de dívida, aumenta o patrimônio da pessoa jurídica e, como tal, representa receita operacional sujeita à incidência do PIS e da Cofins”.

Em março1, a Receita Federal também se manifestou (Solução de Consulta n.º 65/2019) no sentido de que “compõe a base de cálculo da Cofins o valor da redução dos encargos – juros de mora e multas compensatórias – quando da adesão ao Programa Especial de Regularização Tributária (PERT)” e, mais especificamente, no que toca ao IRPJ e à CSLL, que “a reversão ou recuperação do valor dos juros de mora e das multas compensatórias que foram, a seu tempo, reconhecidas como despesa” devem ser igualmente tributadas. No entendimento da Receita, o acréscimo patrimonial experimentado em decorrência da redução dos passivos tributários deve ser oferecido à tributação.

Se mantido o posicionamento de que a redução de passivos deve compor a base de cálculo destes tributos, os benefícios serão tributados a 38,65% (34% de IRPJ e CSLL + 4,65% de PIS/COFINS – receitas financeiras) ou 43,25% (nos casos em que o deságio é uma receita não financeira – 9,25% PIS/COFINS), o que denuncia a relevância da discussão em termos de arrecadação.

O objetivo, aqui, é trazer algumas considerações sobre a redução de multas e juros no âmbito dos parcelamentos tributários e o entendimento da Administração Fazendária na Solução de Consulta n.º 65/2019. Na oportunidade, dirigiu-lhe o contribuinte pergunta relativamente simples: “A redução de juros e multa ante a adesão, pela Consulente, ao PERT, é ‘receita’ passível de tributação pelo IRPJ, CSLL, PIS e/ou COFINS”?

Antevendo que a resposta da consulta iria direto à conclusão sem enfrentar alguns aspectos elementares da tributação da renda e das contribuições, o contribuinte questionou, também, objetivando provocar a manifestação fazendária, premissas fundamentais, resumidas nos seguintes pontos: (i) como falar em acréscimo patrimonial se eventual rompimento do PERT implica a cobrança integral?; (ii) como falar em disponibilidade jurídica e econômica pela redução da multa e juros?; (iii) a redução é um elemento novo e positivo?; e (iv) por fim, se entendida como tributável, em que momento essa “receita” deveria ser oferecida à tributação?

A Receita respondeu, em síntese, que as reduções das multas devem ser levadas à tributação. A resposta é amparada, inicialmente, sob a premissa contábil do método de apuração de resultado, com fundamento no art. 177 da Lei das Sociedades Anônimas2, que impõe que as demonstrações financeiras, ponto de partida para apuração das bases tributáveis, observem os princípios da contabilidade.

A partir deste pressuposto, explica que a contrapartida contábil da redução das multas reflete na apuração do resultado, acrescendo, assim, o patrimônio líquido. É verdade que, em regra, a redução do passivo transita por contas de resultado sob a feição de receita. A despeito de isso não constar na resposta ao contribuinte, a contabilidade (CPC 00, item 4.25) reconhece que as “receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais”.

Voltando à resposta consignada na Solução de Consulta n.º 65/2019, a Administração Fazendária prosseguiu informando ao contribuinte que “a natureza da receita decorrente do perdão de dívidas dependerá da natureza da dívida que a gerou”, expondo uma série de situações em que a repactuação da dívida assume feição de recuperação de custo3, sujeita à tributação, portanto. Eis, então, o primeiro ponto que chama a atenção no entendimento fazendário. O racional empregado na consulta é o de que as reduções devem compor as bases não por serem fatos geradores de riquezas tributáveis – receitas decorrentes da atividade empresarial, propriamente ditas –, mas porque se consubstanciam em recuperações de custo que compõem o lucro tributável nas demonstrações financeiras.

Essa é a premissa que conduz à tributação das contribuições sociais, e, mais especificamente, no que toca ao IRPJ e à CSLL, acrescenta a Receita Federal o argumento de que as multas compensatórias são dedutíveis da base de cálculo da renda, devendo, por terem representado uma despesa dedutível, ser objeto de tributação por ocasião da adesão ao PERT.

O raciocínio é perfeito. Toda a fundamentação, isoladamente considerada, é coerente. Ocorre que dois aspectos fundamentais foram omitidos, um pelo contribuinte, outro pela Administração Fazendária. O contribuinte perguntou, de forma genérica, se a redução da multa quando da adesão ao PERT deve ser oferecida à tributação. Não especificou o caráter da multa aplicada. A Receita, por sua vez, apesar de reconhecer que se trata de uma recuperação de custo, respondeu que o fenômeno é retratado, sob a perspectiva contábil, como receita. Explicou que, em se tratando de uma despesa que, uma vez deduzida, impacta no resultado passado – ao menos potencialmente, se escriturada –, nada mais justo do que a recuperação deste custo ser tributada por ocasião da adesão ao PERT. Até porque seria contraditório que o contribuinte pudesse escriturar uma despesa apta a reduzir a base de cálculo de um período de apuração e, ao reaver esse custo, objeto da redução, não precisasse adicionar o valor à base de cálculo.

Não foi mencionado, no entanto, que o raciocínio é válido somente nas hipóteses em que o custo foi anteriormente influente na composição das bases tributáveis. Isso porque a solução de consulta construiu seu raciocínio a partir das multas compensatórias, que, por previsão legal, repercutem na base de cálculo do IRPJ/CSLL dos contribuintes sujeitos ao regime de apuração do lucro real, conforme prevê o art. 41, §4º, da Lei 8.891/95.

Não foi dito, também, que as multas que acompanham os lançamentos de ofício normalmente não são compensatórias, mas punitivas. De acordo com o PN n. 61/79, do próprio órgão, que diferencia a natureza das sanções, as multas pelo descumprimento de obrigações tributárias são punitivas. Chama a atenção que o contribuinte não informou a natureza da multa – ao menos não consta do corpo da consulta divulgada –, partindo a fiscalização do pressuposto que é a compensatória.

Ignorou-se, igualmente, que, nos termos do CPC n. 25, os tributos lançados de ofício observam as seguintes regras: (i) para probabilidade de perda provável, deve ser constituída provisão, evidenciada em notas explicativas, (ii) para probabilidade de perda possível, bastam as notas explicativas, (iii) se remota, não há exigência de registro nas demonstrações financeiras. Isso é relevante porque, em regra, o crédito tributário com exigibilidade suspensa não interfere na demonstração financeira e, quando muito, é evidenciado como uma provisão.

Contudo, ainda que outros parcelamentos prevejam de forma expressa que a redução das multas e juros não será tributável, tal como foi feito, por exemplo, no parcelamento previsto pela Lei n.º 11.941, de 2009, e no REFIS do agronegócio (Lei 13.606/2018 – Art. 39, §2º), a própria Receita Federal já se manifestou (COSIT 21/2013) no sentido de que, “em razão de as multas de ofício serem indedutíveis na apuração do lucro real, a receita oriunda da redução de multa de ofício decorrente da fruição do benefício previsto no art. 1º, §3º inciso I, da Lei 11.941, de 2009, não é computada no lucro real, pois ela não terá sido deduzida em períodos de apuração anteriores.”

Assim, se as sanções, sejam elas compensatórias, sejam punitivas, sequer foram registradas nas demonstrações financeiras e/ou confirmadas no âmbito administrativo, sem interferirem na tributação, não há que se falar em “receita” tributável. Nesse sentido, o Parecer Normativo n.º 58/77, da Receita Federal, que trata do “conceito e contabilização de custos e despesas”, esclarece que “a obrigação de pagar determinada despesa (enquadrável como operacional) nasce quando, em face da relação jurídica que lhe deu causa, já se verificaram todos os pressupostos materiais que a tornam incondicional, vale dizer, exigível independentemente de qualquer prestação por parte do respectivo credor.”

Em se tratando de lançamentos impugnados e em discussão no âmbito administrativo, apesar de o crédito tributário ser definitivo e acabado, é a adesão ao parcelamento que conduz ao reconhecimento da obrigação no patrimônio da pessoa jurídica, nos termos e nas condições estabelecidos pelo parcelamento. É a contraposição de gostos e renúncias – do fisco, de exigir o montante integral, e do contribuinte, de exercer seu direito de defesa em plenitude, ao desistir do recurso e aderir ao parcelamento – que deve ser escriturada.

Derruído, portanto, o fundamento contábil utilizado pela solução de consulta de forma isolada, é importante trazer também outras considerações. É que, muito embora o procedimento contábil adequado – de reconhecimento do passivo em sua integralidade e o consequente débito na obrigação em contrapartida em conta de resultado – seja traduzido contabilmente como uma receita, não há o timbre jurídico inerente ao conceito de receita, pois ausente um dos fundamentos exigidos pela doutrina mais abalizada: o montante não vem de dentro do patrimônio, não deriva de uma atividade da pessoa jurídica e não se trata, portanto, de ingresso de uma riqueza nova, senão de uma redução de um passivo fiscal. Como já pontuado pelo Poder Judiciário, “a remissão da dívida não poderia ser tratada como receita para fins de tributação (apenas para fins de demonstração de resultado da empresa), por não configurar ingresso” (JF – Vilhena-RO, Processo nº 1000052-91.2018.4.01.4103).

Por fim, mais uma questão deve ser levada em consideração na análise desta solução de consulta. Como bem ensina Tácio Lacerda Gama4, o sentido da norma é fruto da conjugação de textos, e não existe texto sem contexto. Não há como interpretar a legislação que instituiu o PERT sem reconhecer que o legislador, ao estabelecer os parâmetros de adesão ao parcelamento, visou a um balanceamento entre os interesses do Fisco – recebimento dos valores – e os do contribuinte – consubstanciados na regularização fiscal.

Nesse ponto, extrai-se do corpo da exposição de motivos da medida provisória assinada pelo Ministro da Fazenda à época, Henrique Meirelles, que “o PERT tem como objetivos a prevenção e a redução de litígios administrativos ou judiciais relacionados a créditos tributários e não tributários, bem como a regularização de dívidas tributárias exigíveis, parceladas ou com exigibilidade suspensa”.

Como se vê, a Lei n.º 13.496/2017 (convertida pela citada MP) foi concebida para fazer com que o parcelamento dos débitos tributários regularize a situação do contribuinte e torne atrativa a quitação dos tributos com o desconto das sanções. Portanto, não há como tomar as demonstrações financeiras como ponto de partida para a composição do lucro tributável e da base de cálculo do PIS e da COFINS de forma acrítica.

Por mais que a contabilidade enquadre a redução de um passivo na ideia de receita, as diminuições de obrigações que não se amoldam ao conceito jurídico de receita não devem ser oferecidas à tributação. Além disso, não é demais reforçar que não há como pensar as normas tributárias dissociadas do objeto sobre o qual recai a tributação. As hipóteses tributárias só podem ser construídas frente às situações com que se vinculam, de forma ostensiva ou velada.

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