10 | 12 | 2019
O Código de Processo Civil de 2015, em homenagem à garantia individual do acesso à Justiça e aos seus princípios correlatos (art. 5o, incisos XXXV e LXXIV), estabelece que qualquer pessoa física ou jurídica que comprove a insuficiência de recursos terá gratuidade da justiça para as taxas judiciais, despesas periciais e demais custos ao longo do processo (art. 98).
Não bastasse isso, a concessão da gratuidade também suspende as obrigações decorrentes da derrota processual, como os honorários sucumbenciais, somente podendo serem executadas caso o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade.
Mas, se por um lado, a ampla garantia do acesso à justiça facilitou consideravelmente a busca do jurisdicionado à tutela jurisdicional para compor os conflitos inerentes ao convívio em sociedade, por outro, ocasionou uma inflação desmedida no número de ações propostas, sob o manto da gratuidade da justiça. Esse “passe livre” ao Judiciário, por certo, induziu a difusão de ações judiciais temerárias, as quais, além de contribuir para sobrecarregar o Judiciário, ocasionam gastos desnecessários ao Estado e às partes acionadas.
É verdade que existe hoje, no Brasil, um consenso quanto ao descaso de algumas empresas com as normas do Código de Defesa do Consumidor, as quais utilizam como praxe a violação à legislação consumerista, admitindo, estrategicamente, um pequeno número de condenações judiciais em face dos ganhos obtidos com inúmeros outros contratos abusivos não levados ao crivo do Judiciário.
Entretanto, não são incomuns os casos em que consumidores buscam o judiciário para requerer a declaração de inexistência de débitos relativos a compras efetuadas em seu cartão de crédito, todavia, com a apresentação da defesa e dos documentos, resta evidenciado que a compra foi mesmo realizada pelo autor. Em outras situações, consumidores impugnam determinada cobrança por aduzirem que não contrataram determinado serviço, o que é logo desmentido pela parte adversa, com a demonstração da assinatura ou do requerimento do contratante.
Felizmente, diante do crescimento do número de demandas propostas por consumidores sem qualquer fundamento fático ou jurídico, muitos Magistrados têm intensificado a aplicação do instituto da litigância de má-fé, previsto nos artigos 79 a 81 do Código de Processo Civil, para as situações em que o autor altera a verdade dos fatos ou incorre em qualquer conduta processual que se possa caracterizar como temerária. A penalidade prevista para tais condutas varia de 1% a 10% do valor da causa.
A relevância dessas normas processuais é de ser ressaltada. O instituto da litigância de má-fé, nesse cenário, revela-se um poderoso instrumento ético do Magistrado para moralizar o processo e tornar a prestação jurisdicional compatível com os anseios do Estado Democrático de Direito. Sua correta aplicação reprime, de várias maneiras, a má-fé processual, de maneira a valorizar o comportamento ético dos sujeitos do processo e eliminar a pior mácula moral que uma atividade de pacificação social comprometida com a justiça poderia apresentar: a mentira e, consequentemente, a injustiça.
É relevante notar que mesmo aqueles litigantes que obtêm a gratuidade da justiça podem (e devem) ser penalizados por tal conduta, vez que o Código de Processo Civil também prevê que a concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar as multas que lhe sejam impostas (§4o do art. 89).
Muito embora a norma seja hábil para penalizar o litigante de má-fé, nota-se que a sua eficácia social (é dizer, a sua condição de induzir a conduta em sociedade em torno de determinada finalidade pretendida pelo legislador) poderia ser consideravelmente mais elevada, caso uma maior parcela da população tomasse ciência da sua existência. É certo, afinal, que muitos daqueles que propuseram causas temerárias não o fariam caso soubessem dos riscos que se submeteram com tal empreitada.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Comunicação Menezes NIebuhr
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