19 | 05 | 2021
Por Rodrigo Schwartz Holanda
O teste de recuperabilidade (impairment) é um instrumento utilizado pela contabilidade com o fim de avaliar se os ativos evidenciados pela companhia estão desvalorizados. Conforme consta do Pronunciamento Técnico CPC 01 (R1), o teste consiste em uma série de procedimentos que a entidade deve adotar para assegurar que seus ativos estejam registrados contabilmente por valor que não seja maior do que o efetivo valor recuperável. Seu propósito é (i) disciplinar, nos casos em que o valor contábil exceda o montante a ser recuperado pelo uso ou pela venda, o modo como devem ser reconhecidas as perdas – e os ajustes delas decorrentes – por desvalorização; (ii) especificar as situações em que devem ser revertidos os ajustes para perda por desvalorização; (iii) estabelecer as diretrizes para realizar as evidenciações requeridas pelo pronunciamento; e (iv) assegurar que os ativos da entidade não sejam evidenciados por valor maior do que seu valor de recuperação[1].
Trata-se de um procedimento que impõe o reconhecimento antecipado dos ganhos e das perdas, fazendo com que a informação contábil espelhe a situação patrimonial efetivamente experimentada pela entidade. Aplica-se, assim, a lógica de que o ativo é avaliado pelo valor contábil ou valor de mercado (em uso[2]): dos dois o menor, ou seja, nenhum ativo deve ser reconhecido por valor que não represente seu potencial de recuperabilidade, seja pelo possível fluxo de caixa esperado pela venda, seja por meio do fluxo de saída esperado em decorrência das atividades desempenhadas pela entidade[3]. Caso o valor de mercado seja maior do que o valor contábil, este deve prevalecer.
Enquanto a contabilidade disciplina o impairment de forma bastante detalhada, a legislação se restringe a dispor que a pessoa jurídica deve demonstrar a potencial perda do valor do ativo na elaboração do balanço (art. 183, §3º, Lei n. 6.404/1976). Foi nesse sentido que, dada a precariedade dos ajustes, que não representam a efetiva perda, mas sua potencialidade, a Lei 12.973/2014 neutralizou seus efeitos tributários, prescrevendo que os valores contabilizados como redução ao valor recuperável de ativos somente interferem no lucro real quando ocorrer a baixa ou a alienação do ativo.
Sucede que a Lei 12.973/2014 foi específica com relação ao IRPJ e à CSLL. No contexto da contribuição ao PIS e da COFINS, a legislação, ao disciplinar a não cumulatividade e a possibilidade de tomada de créditos das contribuições sobre os bens destinados à produção, estabeleceu como parâmetro os encargos de depreciação e a amortização das máquinas, dos equipamentos, das edificações, das benfeitorias e dos intangíveis adquiridos para utilização em suas atividades, incorridos no mês (artigos 2º e 3º, §1º, III, Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003). Faculta-se, ainda, ao contribuinte a tomada de créditos de forma linear em um quarenta e oito avos sobre o valor de aquisição do bem (artigo 3º, §14, Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003).
Nesse panorama, considerando-se que (i) a contabilidade impõe o remanejamento dos encargos de depreciação após a aplicação do teste de recuperabilidade[4] e que (ii) tal disposição foi neutralizada na apuração do IRPJ e da CSLL, mas nada foi dito com relação ao PIS e à COFINS, a questão que se apresenta é a seguinte: diante dessa lacuna legislativa, se o teste afeta o valor do ativo, alterando, portanto, o valor contábil, diminuem-se, também, os encargos de depreciação, amortização ou exaustão para fins de apuração dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS?
Prevalece, atualmente, o posicionamento da Secretaria da Receita Federal do Brasil[5], no sentido de que os valores reconhecidos a título de redução do valor recuperável do ativo restringem o creditamento.
Segundo a Administração Fazendária, “não havendo regras específicas na legislação das aludidas contribuições acerca do cálculo dos ‘encargos de depreciação’, recorre-se à legislação do Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) na busca de tais regras”.
O entendimento é de que: (i) permanecem aplicáveis as taxas de depreciação estipuladas pela Instrução Normativa, (ii) a aplicação do impairment reduz o valor recuperável do ativo e, nessa condição, altera o valor dos encargos de depreciação para as contribuições sociais e, por fim, (iii) o contribuinte não está autorizado a apurar créditos correspondentes à diferença entre o valor da depreciação e dos encargos “tradicionalmente permitidos para fins fiscais (calculados com base no custo de aquisição do ativo).”
Nesse contexto, cabe destacar que, a despeito de o legislador não ter neutralizado as diretrizes contábeis para fins de PIS/COFINS, as funções da contabilidade e do Direito Tributário não são equivalentes. A base de creditamento – constante da lei – deve ser apurada a partir do valor do custo, nos exatos termos do artigo 3º, VI, §1º, III, assim como do artigo 3º, §14, da Lei n. 10.833/2003.
É notável que, de um lado, a orientação franqueada ao contribuinte foi a de que as taxas de depreciação aplicáveis seriam as mesmas do IRPJ/CSLL, mas, de outro, observa-se que o valor do ativo (base de apuração dos encargos) não acompanha a mesma lógica. Tal interpretação, note-se, parece ir de encontro às hipóteses de creditamento previstas na lei (incisos do artigo 3º da Lei 10.833/2003), o que se confirma, inclusive, pela previsão contida no §14º do artigo 3º da Lei n. 10.833/2003, que dispõe que o contribuinte poderá calcular o crédito de forma linear, no prazo de quatro anos, sobre o valor de aquisição do bem. Esse é o parâmetro utilizado, também, pelo artigo 1º, §1º, da Lei n. 11.774/2008, que emprega a expressão custo de aquisição do bem.
Considerando-se que o impairment é um instituto contábil utilizado para demonstrar o valor recuperável do ativo, nos termos da legislação aplicável ao IRPJ e à CSLL, as perdas dele decorrentes devem ser neutras para fins tributários. No que toca à contribuição ao PIS e à COFINS, ainda que a legislação não tenha se pronunciado sobre os reflexos do teste na apuração dos encargos de depreciação, as normas de regência das contribuições tomam como ponto de partida o valor de aquisição do bem, inexistindo óbice, portanto, para apurar os créditos sobre as parcelas redutoras do ativo.
Interpretação contrária, portanto, tal como a expressa no entendimento vinculante da Solução de Consulta COSIT n. 672/2017, coloca a orientação contábil acima da lei, contrariando a escolha do legislador e a racionalidade da não cumulatividade prevista no ordenamento jurídico brasileiro. A interdisciplinaridade é um caminho sem volta e é desejável que as disciplinas se aproximem. No entanto, as orientações contábeis não podem ser interpretadas de forma acrítica. Havendo conflito entre a disciplina contábil e a lei, esta deve prevalecer sobre aquela.
[1]Consta do item 1 do CPC 01 (R1), aprovado pela Deliberação CVM 639/10 e obrigatório pela Resolução CFC n.1.292/2010: “O objetivo deste Pronunciamento Técnico é estabelecer procedimentos que a entidade deve aplicar para assegurar que seus ativos estejam registrados contabilmente por valor que não exceda seus valores de recuperação. Um ativo está registrado contabilmente por valor que excede seu valor de recuperação se o seu valor contábil exceder o montante a ser recuperado pelo uso ou pela venda do ativo. Se esse for o caso, o ativo é caracterizado como sujeito ao reconhecimento de perdas, e o Pronunciamento Técnico requer que a entidade reconheça um ajuste para perdas por desvalorização. O Pronunciamento Técnico também especifica quando a entidade deve reverter um ajuste para perdas por desvalorização e estabelece as divulgações requeridas.”
[2]Extrai-se do item 6 do CPC 01(R1) que “valor em uso é o valor presente de fluxos de caixa futuros esperados que devem advir de um ativo ou de unidade geradora de caixa.”
[3]Consta do Manual de Contabilidade Societária que “essa regra é muito antiga, apenas vinha aparentemente sendo ‘esquecida’ em certas circunstâncias. Por exemplo, a regra da redução das contas a receber a seu valor provável de realização (redução pelas perdas esperadas no recebimento – antiga Provisão para Devedores Duvidosos) é fruto da figura do teste de recuperabilidade. A regra antiquíssima de ‘custo ou mercado, dos dois o menor’, para os estoques e determinados tipos de investimentos, também é regra do teste da recuperabilidade. A própria depreciação é nascida visando à redução dos ativos imobilizados em função da perda da capacidade de recuperação do valor envolvido pelo processo de venda desses ativos etc.” (GELBCKE, Ernesto Rubens et al. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades: de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018).
[4]A ciência contábil disciplina a matéria da seguinte forma (CPC n. 1):
“59. Se, e somente se, o valor recuperável de um ativo for inferior ao seu valor contábil, o valor contábil do ativo deve ser reduzido ao seu valor recuperável. Essa redução representa uma perda por desvalorização do ativo.
A perda por desvalorização do ativo deve ser reconhecida imediatamente na demonstração do resultado, a menos que o ativo tenha sido reavaliado. Qualquer desvalorização de ativo reavaliado deve ser tratada como diminuição do saldo da reavaliação.[…]63.Depois do reconhecimento da perda por desvalorização, a despesa de depreciação, amortização ou exaustão do ativo deve ser ajustada em períodos futuros para alocar o valor contábil revisado do ativo, menos seu valor residual (se houver), em base sistemática ao longo de sua vida útil remanescente.”
[5]O posicionamento consta da Solução de Consulta COSIT n. 672/2017. O dispositivo interpretado foi o seguinte:“Art. 32. O contribuinte poderá reconhecer na apuração do lucro real somente os valores contabilizados como redução ao valor recuperável de ativos que não tenham sido objeto de reversão, quando ocorrer a alienação ou baixa do bem correspondente.
Parágrafo único. No caso de alienação ou baixa de um ativo que compõe uma unidade geradora de caixa, o valor a ser reconhecido na apuração do lucro real deve ser proporcional à relação entre o valor contábil desse ativo e o total da unidade geradora de caixa à data em que foi realizado o teste de recuperabilidade.”
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Especialista em […]
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