05 | 04 | 2019

As parcerias em oportunidades de negócio na Lei Nº 13.303/2016

O direito administrativo é, sobretudo, um direito que se encontra em constante mutação, revisitando seus próprios conceitos a fim de que a Administração Pública possa atender às necessidades coletivas que lhe são contemporâneas. Não raro, a adaptação à prática administrativa de novos institutos – normalmente concebidos em outras áreas do direito – exige a ruptura com paradigmas há muito sedimentados na doutrina e na jurisprudência. É o que se verifica em relação à formação e desenvolvimento de parcerias empresariais entre empresas estatais e empresas privadas.

Teorizadas pela doutrina comercialista, as parcerias empresariais, também conhecidas como joint ventures, vêm sendo utilizadas no âmbito das empresas estatais para viabilizar a conjugação de diferentes recursos e expertises em prol da realização de empreendimentos econômicos complexos, de alto custo e risco consideráveis, normalmente em ambientes fortemente competitivos. Inclusive, não é incomum que empresas estatais formem parcerias com empresas privadas para participar de licitações e firmar contratos com outros entes federativos ou, ainda, para a exploração do potencial econômico de bens públicos. Em última análise, a medida objetiva o desenvolvimento, dinamização e expansão da atuação da empresa estatal tanto no Brasil, como no exterior, por meio da comunhão de esforços com empresas privadas em prol do interesse público que legitima o Estado a explorar determinada atividade econômica.

No âmbito das empresas estatais, o modelo conjuga elementos das parcerias empresariais e das contratações públicas. Das parcerias empresariais, extrai sua natureza associativa e plurilateral voltada à exploração de uma atividade empresarial com partilha de riscos e resultados. Da presença do Estado nessa relação jurídica, advém a convergência do interesse público e do privado e a incidência de princípios administrativos que impactam no regime jurídico dessas parcerias. Todas essas especificidades autorizam o enquadramento das parcerias entre empresas estatais e empresas privadas como uma nova modalidade de parceria público-privada lato sensu.

A doutrina comercialista costuma distinguir entre as parcerias empresariais societárias e contratuais (corporate e non corporate joint ventures). Como é intuitivo, as parcerias societárias dão origem a uma sociedade personificada cujo quadro societário é formado pelas partes contratantes, ao passo que, nas parcerias contratuais, as partes conservam sua autonomia jurídica, obrigando-se reciprocamente por contrato a atuar para a realização de um empreendimento conjunto de interesse comum.

A distinção entre parcerias societárias e contratuais se estende às parcerias empresariais público-privadas, que tanto podem originar uma nova sociedade empresária – geralmente uma sociedade de propósito específico sob a forma de sociedade anônima ou limitada –, quanto restringirem-se a um vínculo contratual – geralmente um consórcio empresarial em que figuram como consorciadas. Essa distinção traz repercussões relevantes para o regime jurídico das parcerias empresariais público-privadas.

No âmbito das parcerias societárias, é oportuno apartar o regime jurídico das sociedades de propósito específico em função do exercício do poder de controle pela empresa estatal. As sociedades com participação estatal majoritária são consideradas subsidiárias das empresas estatais e, portanto, integrantes da Administração Pública. O status de subsidiária também se aplica às sociedades com participação estatal minoritária sob controle de empresa estatal por força de acordo de acionistas ou outra circunstância que lhe propicie a titularidade do poder de controle. Nesse caso, são chamadas sociedades controladas. Em ambos os casos, a sociedade de propósito específico submete-se ao mesmo regime jurídico que rege a sua controladora, regulamentado pelo artigo 173 e pelos ditames da Lei n. 13.303/2016 (Lei das Estatais). Já as sociedades de propósito específico com participação estatal minoritária sob controle privado são empresas privadas, submetendo-se ao regime puramente privado, sem derrogações publicísticas.

Ainda que sua participação no empreendimento se restrinja à condição de sócia minoritária de sociedade de propósito específico sob controle de empresa privada, a empresa estatal não deixa de submeter-se ao regime jurídico de direito público que delimita o seu âmbito de atuação. Tal circunstância impele a empresa estatal a manejar suas prerrogativas de sócia minoritária sempre observando a esses preceitos e em consonância com a finalidade de interesse público que legitima a formação da parceria empresarial, de tal modo que possa fiscalizar a gestão da sociedade de propósito específico e exigir o cumprimento de obrigações contratualmente assumidas pelo parceiro privado controlador.

Acresça-se que, independentemente do grau de participação estatal no capital social com direito a voto da sociedade de propósito específico, a formação da parceria societária entre empresa estatal e empresa privada reclama prévia autorização legislativa. É que, em se tratando de participação societária do Estado, aplica-se o inciso XX do artigo 37 da Constituição Federal, segundo o qual “depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada”. O Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que essa autorização legislativa pode estar prevista genericamente na lei de regência de cada empresa estatal (ADI n. 1.649/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, Plenário, J. em 24/03/2004).

Diferentemente das parcerias societárias, nas parcerias contratuais não há distinção de regimes jurídicos em função da posição ocupada pela empresa estatal na relação associativa, mesmo porque nessas parcerias as partes conservam sua autonomia jurídica, vinculando-se apenas na extensão das obrigações contratualmente pactuadas. Nem faria sentido aplicar um estatuto jurídico que regulamenta regime societário, licitações e contratos em relação a uma sociedade desprovida de personalidade jurídica própria e que, portanto, não pode ser titular de direitos e obrigações. Também não poderia a Lei n. 13.303/2016 interferir na organização interna do parceiro privado, submetendo o particular ao regime jurídico das empresas estatais. Nas parcerias contratuais, a incidência da Lei n. 13.303/2016 ocorre exclusivamente sob o prisma da empresa estatal, ainda que esta detenha maior participação e a liderança do empreendimento.

De toda sorte, a autonomia das partes para regulamentar as parcerias contratuais e a ausência de um regime jurídico próprio deve ser interpretada com temperança. Mesmo nos consórcios empresariais, a empresa estatal permanece atrelada aos princípios administrativos e à finalidade de interesse público, de modo que não lhe é dado vincular-se por meio de acordos que violem esses preceitos. Daí a importância das partes contratantes pactuarem contratualmente disposições que assegurem à empresa estatal a influência minimamente necessária para impedir que a parceria contratual se desvie da finalidade de interesse público que motivou a sua constituição.

Como se vê, a opção pela parceria empresarial público-privada abre à empresa estatal uma gama de possibilidades jurídicas dentre os diversos modelos de parcerias, que, por sua vez, podem contemplar, cada qual, arquitetura diferenciada quanto às atribuições e responsabilidades dos partícipes. O ordenamento jurídico pátrio não estabelece preferência apriorística quanto à forma de estruturação de uma parceria empresarial. As razões que impelem a empresa estatal a decidir pela estruturação de uma sociedade de propósito específico, consórcio empresarial ou outra forma associativa, relacionam-se às vantagens e desvantagens de cada modalidade de parceria à luz das especificidades do caso concreto e, em especial, das contribuições e objetivos pretendidos por cada uma das partes e das peculiaridades do empreendimento econômico de interesse comum.

Hodiernamente, as legislações pertinentes às maiores empresas estatais brasileiras – dentre as quais Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa, Infraero e Correios – já preveem a adoção de diversas modalidades de parceria empresarial para o desenvolvimento e expansão de suas atividades empresariais, inclusive em outros países. Em geral, os diplomas aludem à possibilidade de constituição de subsidiárias e sociedades de propósito específico, aquisição de participações societárias majoritárias ou minoritárias em empresas privadas e à formação de consórcios, dentre outras formas associativas, societárias ou contratuais, tipicamente empresariais.

Tome-se o exemplo da Lei n. 9.478/1997, cujo artigo 63 autoriza a Petrobras a formar consórcios com empresas nacionais ou estrangeiras, na condição ou não de empresa líder, para expandir atividades, reunir tecnologias e ampliar investimentos aplicados à indústria do petróleo. O artigo 6º dessa Lei também prevê a criação de subsidiárias que poderão associar-se majoritária ou minoritariamente com outras empresas para o estrito cumprimento de atividades relacionadas à indústria do petróleo. Já o artigo 65 autoriza a subsidiária constituída pela Petrobras para operar e construir seus dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, a associar-se, majoritária ou minoritariamente, com outras empresas.

Mais recentemente, a formação das parcerias empresariais entre empresas estatais e empresas privadas foi disciplinada pelo inciso II do §3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 (Lei das Estatais). O preceito normativo afasta a aplicabilidade do Capítulo I do Título II dessa Lei, que regulamenta a licitação e a contratação direta por dispensa e inexigibilidade de licitação nas estatais, “nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”. O §4º desse mesmo dispositivo legal define as oportunidades de negócio nos seguintes termos:

§ 4o Consideram-se oportunidades de negócio a que se refere o inciso II do § 3o a formação e a extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias ou contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias ou contratuais e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

Com efeito, ao adotar a expressão “oportunidade de negócio”, o legislador positivou conjuntura de forte conotação empresarial, sem paralelo no direito posto e notoriamente plurissignificativa, o que se confirma pela abrangência da definição positivada no §4º desse dispositivo. Por “oportunidade de negócio definida e específica”, entende-se uma situação singular propícia à realização de um empreendimento bem delimitado dentro de um espectro mais abrangente que constitui o objeto social da empresa estatal. São situações peculiares, provocadas por necessidades relacionadas à atividade empresarial da empresa estatal, que poderão ensejar a formação ou extinção de parcerias empresariais e outras operações de aquisição e alienação de ativos estratégicos.

Da leitura conjugada dos §§ 3º, II, e 4º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016, infere-se que a escolha do particular para a formação e extinção de parcerias, aquisição e alienação de participações societárias e outras formas associativas, além de operações no mercado de capitais, não se submete ao regime geral da contratação das empresas estatais. Isso significa que, na formação dessas parcerias, a escolha do particular deve ocorrer mediante procedimentos mais adaptados às práticas de mercado e sempre em função de características relacionadas às peculiaridades de determinada oportunidade de negócio. O mesmo se aplica a outras formas empresariais tipicamente associativas que não se enquadram perfeitamente ao conceito lógico jurídico de parceria empresarial. Ainda segundo o dispositivo legal, em todos os casos, a escolha direta de um parceiro privado supõe que se justifique a inviabilidade de um procedimento competitivo.

É interessante notar que o §3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 alberga uma hipótese de inaplicabilidade de licitação que não se confunde com os casos de contratação por dispensa ou inexigibilidade de licitação. Enquanto a dispensa remete a um rol taxativo de situações nas quais a realização de uma licitação seria opção discricionária do administrador e a inexigibilidade a situações em que a competição é logicamente inconcebível ou contraproducente; o §3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 diz respeito a contratações que não se coadunam com todo o regime de licitações e contratações por dispensa e inexigibilidade, porquanto assumem uma lógica completamente diversa.

A hipótese de inaplicabilidade de licitação retratada nesse dispositivo legal assume a compreensão de que a atividade empresarial é dinâmica e pautada por uma racionalidade econômica que exige maior flexibilidade e sucessivas adaptações às práticas do mercado, principalmente quando exercida em ambiente concorrencial. Mesmo no âmbito das empresas, a publicidade quanto a estratégias comerciais, a vinculação à rigidez do procedimento previsto em lei, ao excesso de objetividade de um Edital que impede qualquer forma de negociação substancial e às exigências estritamente formais que imprimem morosidade às tratativas são circunstâncias que simplesmente podem inviabilizar a formação de parcerias empresariais, impossibilitando o aproveitamento dessas oportunidades de negócio.

A constatação também se aplica às estatais prestadoras de serviço público, que cada vez mais têm adotado procedimentos de contratação mais alinhados às práticas de mercado – mais comuns no âmbito das estatais exploradoras de atividade econômica, como consequência da expansão das atividades econômicas que concorrem com serviços públicos. Os próprios princípios do serviço público, como atualidade, modicidade tarifária, universalidade e continuidade, à luz dessa nova realidade concorrencial, reclamam a adoção de práticas mais eficientes na atuação empresarial do Estado.

Soma-se a isso que os contratos empresariais de natureza associativa possuem peculiaridades que não se compatibilizam com os procedimentos que caracterizam as licitações e contratações diretas por dispensa e inexigibilidade de licitação, que foram concebidos para contratos ditos bilaterais, que contrapõem interesses dissonantes. As parcerias empresariais reclamam estruturação casuística e dinâmica, que remete à competência discricionária do administrador na estruturação de procedimentos “sob medida”. Embora não se possa estabelecer de antemão quais os critérios de estruturação e seleção do parceiro privado para todas as parcerias, também descabe fixar, indistintamente, um conjunto de regras pré-estabelecido. São as especificidades dessas relações associativas que reclamam o afastamento da disciplina tradicional de contratação pública, para viabilizar a formação dessas parcerias empresariais público-privadas.

Ainda assim, a própria redação do inciso II do §3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 revela a possibilidade e, eventualmente, a necessidade de se realizar um procedimento competitivo para a escolha do parceiro privado, quando inexistente uma singularidade que justifique a inviabilidade de um procedimento competitivo. Noutras palavras, não se pode confundir inaplicabilidade de licitação, com inviabilidade de competição. A formação de parcerias e outras formas associativas em oportunidades de negócio supõe a inviabilidade de licitação, mas não, necessariamente, a inviabilidade de competição, mesmo porque as empresas estatais também se submetem aos princípios da impessoalidade e da moralidade retratados no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

A propósito, foi justamente esse o posicionamento adotado pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica do Tribunal de Contas da União relativamente à exegese do que dispõe o inciso II do §3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 no âmbito das parcerias firmadas pelas empresas do Grupo Eletrobras:

O legislador não dispensou de forma incondicional as estatais de licitar nos casos considerados como oportunidades de negócio, explicitados no § 4º da Lei 13.303/2016. Ele determinou aos gestores, mesmo quando da identificação de situações consideradas como oportunidades de negócios, que justifiquem a inviabilidade de realização de procedimento competitivo. Em outras palavras, a licitação permanece como regra mesmo nos casos de oportunidades de negócio, sendo excetuada apenas quando da inviabilidade de procedimento competitivo. 

Não se trata de liberalidade concedida ao gestor, no sentido de optar ou não pelo procedimento competitivo. Tampouco há dispensa integral de promoção de competição entre eventuais interessados. Diferentemente do posicionamento do memorando aqui analisado, pela inaplicabilidade de licitação, a regra estabelecida pela Lei das Estatais abre a possibilidade de escolha de parceiros, em oportunidades de negócios, porém impõe que se justifique a inviabilidade de competição nesses casos. Assim, a regra impõe a competição; não sendo viável, exige justificativa (1).

Seguindo essa linha, convém atentar que a previsão contida no inciso II do § 3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 não constitui um cheque em branco para que as empresas estatais não se submetam aos influxos do regime jurídico de direito público que normalmente balizam sua atuação, relegando a escolha do parceiro privado a um juízo de apreço do administrador por esse ou aquele agente econômico. A empresa estatal deve buscar a máxima realização dos princípios da Administração Pública em conformidade com a finalidade de interesse público que legitima sua atuação empresarial e, como tal, não pode manejar suas competências arbitrariamente, mediante conceitos subjetivos como a noção de affectio societatis. Bem por isso, é equivocado afirmar que as licitações nas empresas estatais são regidas pelo regime de direito público, ao passo que as parcerias em oportunidades de negócio seriam regidas por um regime jurídico puramente privado.

A bem da verdade, o que o inciso II do §3º do artigo 28 da Lei n. 13.303/2016 determina é que, em face da inviabilidade de um procedimento competitivo, deve a empresa estatal explicitar justificadamente essa inviabilidade para formalizar, sem competição, contrato de parceria com empresa que detenha as características pertinentes às especificidades da oportunidade de negócio. Ou seja, quando a própria formação da parceria depender de características singulares de determinado parceiro privado ou houver outra circunstância que justifique a inviabilidade do procedimento competitivo, resta caracterizada a hipótese de escolha do particular que reúna as características necessárias para a formação e o sucesso do empreendimento. Nesse caso, a estatal deve motivar adequadamente a inviabilidade de competição, seja pela singularidade do parceiro, seja por outras circunstâncias externas pertinentes à oportunidade de negócio.

Por outro lado, para que se viabilize a competição, basta (i) que haja uma multiplicidade de empresas privadas qualificadas com características pertinentes à oportunidade de negócio; (ii) que seja possível estabelecer métodos de comparação que indiquem o agente econômico e a estruturação jurídica mais adequados para o sucesso do empreendimento, sem prejuízo de que a empresa estatal venha a negociar os termos dessa associação no curso do procedimento; e (iii) que um procedimento competitivo não inviabilize a própria formalização do negócio.

Presentes essas circunstâncias, os princípios da impessoalidade e da eficiência impõem que a empresa estatal realize um procedimento competitivo para a escolha do particular adaptado às práticas empresariais pertinentes à formação de parcerias estratégicas. O procedimento deve contemplar requisitos de qualificação e critérios de julgamento de ordem técnica, financeira, estratégica, dentre outros parâmetros que, a um só tempo, viabilizem a formação de parceria mais vantajosa para a empresa estatal e a observância dos princípios contemplados no caput do artigo 37 da Constituição Federal. Para tanto, a empresa estatal pode adotar arquiteturas semelhantes às modalidades de licitação previstas na Lei n. 13.303/2016 ou estruturar um chamamento público com etapas que variam conforme as características da oportunidade de negócio, com maior ou menor grau de objetividade, inclusive com a possibilidade de negociação e de manutenção do sigilo comercial em determinadas etapas.

A título ilustrativo, como modelo de procedimento competitivo, pode-se cogitar do emprego do procedimento de manifestação de interesse privado – PMI, normalmente adotado na etapa de planejamento do negócio. Nas parcerias em oportunidades de negócio, o procedimento de manifestação de interesse permite que os interessados apresentem projetos de empreendimentos com diferentes soluções capazes de atender às necessidades empresariais identificadas pela empresa estatal. A adoção desse modelo em etapa competitiva de escolha do parceiro privado permite que a empresa estatal selecione o candidato que apresentar o melhor projeto para o desenvolvimento de um empreendimento econômico de interesse comum. Evidente que, tratando-se de uma relação associativa, outros critérios pertinentes à pessoa do contratado haverão de concorrer para a seleção do parceiro privado.

A questão, como é notório, não comporta soluções estabelecidas de antemão. Se a formação da parceria for compatível com alguma espécie de procedimento competitivo entre os possíveis interessados, sem prejuízo à atividade empresarial da empresa estatal, os princípios da isonomia e da moralidade impõem a adoção desse procedimento. Do contrário, o próprio interesse público subjacente à contratação autoriza a contratação direta. Em qualquer caso, são inaplicáveis os procedimentos licitatório e de dispensa ou inexigibilidade regulamentados no Capítulo I do Título II da Lei n. 13.303/2016, tanto que o dispositivo alude à inviabilidade de procedimento competitivo e não à licitação para a escolha do parceiro privado.

Em todos os casos, não se discute que a escolha do parceiro privado para a formação de uma relação associativa de longo prazo, com compartilhamento de riscos e resultados, dificilmente poderá realizar-se com a mesma objetividade de uma licitação pública. É igualmente cediço que uma relação associativa dessa natureza se origina a partir de tratativas e negociações, com concessões recíprocas de ambas as partes. No entanto, nada impede que a empresa estatal procure mitigar essas dificuldades com procedimentos que, a um só tempo, visem resguardar a impessoalidade na tomada de decisão e que sejam também mais flexíveis e consentâneos com as práticas de mercado.

Após a estruturação do negócio, com a escolha do parceiro privado, a parceria é, por fim, consolidada pela formalização de um termo de compromisso ou acordo-base, que conterá as linhas mestras da parceria empresarial, como o escopo da associação, prazo de duração, valor do investimento, se será constituída uma sociedade independente, a participação de cada parceiro, partilha de recursos e riscos, acesso de todos ao controle da gestão, dentre outros aspectos que balizarão a relação associativa. O acordo norteará a elaboração de outros instrumentos voltados à regulamentação do empreendimento, como plano de negócios, estatuto social, acordo de acionistas, termo de constituição de consórcio, transferência de tecnologia etc.

Ao fim e ao cabo, a tutela do interesse público e dos princípios administrativos exige a submissão dessas parcerias aos mecanismos de controle interno e externo da Administração Pública. Esses controles operam no nível da relação contratual travada entre o parceiro público e o parceiro privado e também podem incidir sobre a atuação da sociedade de propósito específico. O controle sobre as parcerias societárias varia, em sua forma e intensidade, conforme o regime jurídico assumido pela sociedade. Caso a empresa estatal detenha a primazia do poder de controle, a sociedade de propósito específico submete-se aos mesmos mecanismos de controles que incidem sobre a sua controladora, ao passo que a primazia do controle pelo parceiro privado restringe a atuação dos órgãos de controle aos atos praticados pela estatal como acionista minoritária.

* Luiz Eduardo Altenburg de Assis é mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela UFSC e sócio da Menezes Niebuhr Advogados Associados.


[1] A recomendação da SeInfraEnergia foi acolhida, determinando-se à Eletrobras que “preveja em seus normativos que, nas situações que venham a ser enquadradas como oportunidade de negócio, somente deixe de promover processos competitivos naqueles casos em que restar justificada a inviabilidade desses procedimentos” (TCU, Acórdão n. 1.765/2018, Relator: Ministro Aroldo Cedraz, Órgão Julgador: Plenário, Julgado em 01/08/2018).

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