24 | 06 | 2020

As recentes decisões acerca da corresponsabilização do cedente na cessão de créditos nas operações dos Fundos de Investimento e Securitizadoras

Da conjugação dos preceitos previstos no Código Civil, nota-se ser possível a responsabilização do cedente pela solvência do devedor, desde que estipulado expressamente em contrato e que seja limitada ao valor por este recebido, descontado do deságio e encargos de cobrança. Por outro lado, não havendo tal previsão no contrato, fica o cedente responsável apenas pela existência do crédito ao tempo da perfectibilização do negócio jurídico.

Cabe, neste ponto, assinalar: a responsabilização do cedente pela solvência dos créditos é medida absolutamente legítima e natural em Direito Privado. Tanto é que o Código Civil autoriza a sua pactuação exigindo como único requisito a expressa previsão contratual.

Não fosse apenas isso, para os Fundos de Investimento, o art. 2º, inc. XV, da Instrução CVM 356/2001 admite expressamente a corresponsabilização. Assim, o panorama normativo permite afirmar que não há qualquer regra legal – seja do Código Civil ou em qualquer legislação extravagante – nem regra infralegal – do Banco Central, da Comissão Monetária de Valores ou qualquer órgão regulamentador – que proíba a responsabilização do cedente pelo inadimplemento ou pelos vícios do título objetos de cessão de créditos.

Em que pese não existir óbice legal, a corresponsabilização do cedente é um tema que encontra muita resistência no Poder Judiciário, principalmente pela comparação com as operações de factoring. Nas operações realizadas por fundos de investimentos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo já possui recentes julgados sobre a referida distinção:

EMBARGOS À EXECUÇÃO – Ação fundada em termo de recompra, confissão e assunção de dívida, ligado a posterior a contrato de cessão de crédito. Alegação de nulidade do contrato por ser a exequente em tese empresa de fomento mercantil ou factoring. Queixa de nulidade da cláusula de recompra, bem como de imposição de aval e cobrança de encargos abusivos. Rejeição. Manutenção. Exequente que é um fundo de investimento, não se tratando de relação de fomento mercantil. Embargantes que livre e conscientemente firmaram contrato de cessão de crédito para obter a antecipação do valor indicado nos títulos mediante deságio. Pactuação de recompra dos títulos viciados pela falta de lastro comercial verificada e, assim, do próprio crédito e mesmo aqueles inadimplidos pelos sacados. Posterior assunção da dívida decorrente em instrumento autônomo para pagamento em parcelas certas, fixas, mensais e subsequentes. Inadimplência após alguns pagamentos que restou incontroversa. Ausência de ilegalidade. Encargos da mora. Previsão de juros simples no importe de 1% ao mês ou 12% ao ano. Responsabilidade solidária que decorre de contrato. Excesso de execução. Tese subsidiária que sequer conhecimento permite, porquanto desprovida da indicação do valor correto. Violação ao art. 917, §4º, incisos I e II, do CPC. – RECURSO DESPROVIDO (Grifo nosso).

EMBARGOS À EXECUÇÃO – sentença de procedência – recurso do embargado – insurgência – cabimento – contrato de cessão de crédito firmado com Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – natureza jurídica de condomínio – CVM Nº 356/01 – personalidade jurídica distinta à sociedade factoring – cláusula de recompra expressamente prevista e anuída por ambas as partes – pacta sunt servanda – cessão de crédito pro solvendo – exegese do art. 296 do Código Civil – os créditos garantidos por cessão fiduciária não se submetem aos efeitos da recuperação judicial – súmula nº 581 do STJ – precedentes – recurso do embargado provido.

EMBARGOS À EXECUÇÃO – sentença que julgou procedentes os embargos e extinta a execução – honorários arbitrados em R$ 10.000,00 – recurso dos embargantes – pretensão para majoração nos moldes do art. 85, § 2º do CPC – ausência de preparo – deserção – inteligência do art. 1.007 do CPC/15 – determinação de recolhimento em dobro, nos termos do artigo 1007, § 4º do CPC – descumprimento – recorrentes não são beneficiários da justiça gratuita – deserção declarada – prejudicialidade em razão do provimento do recurso da parte adversa – recurso dos embargantes não conhecido (Grifo nosso).

EXECUÇÃO. Contrato de Cessão de Crédito e Aquisição de Direitos de Crédito e Outras Avenças. Demanda ajuizada pelo cessionário contra a cedente e o devedor solidário. Contrato firmado com Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, que tem natureza jurídica de condomínio (Instrução CVM n. 356/01), não se equiparando a empresa de factoring. Admissibilidade de estipulação de cláusula que responsabiliza solidariamente o cedente pela solvência do crédito cedido. Existência de precedentes desta Corte. Hipótese em que a execução está instruída com o contrato de cessão de crédito assinado pelo cessionário, pela cedente e por duas testemunhas, bem como pelos títulos inadimplidos e pelo termo de cessão que contém todos os custos e despesas da operação. Verificação dos requisitos do artigo 784, III. Existência de obrigação certa, líquida e exigível (CPC, art. 783). Execução instruída por título executivo extrajudicial hígido. Sentença de extinção do processo anulada. Determinação de prosseguimento do processo executivo. Recurso provido. Dispositivo: deram provimento ao recurso para anular a r. sentença (Grifo nosso).

Corroborando o entendimento da Corte Estadual de São Paulo, o Superior Tribunal de Justiça, no bojo do Recurso Especial n. 1.726.161, julgado em 03/09/2019, expôs claramente a respeito da diferenciação entre a atividade desempenhada pelos fundos de investimento em direitos creditórios e a atividade desempenhada pelas factorings, conforme a seguinte ementa:

RECURSO ESPECIAL. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. MERCADO DE CAPITAIS. VALOR MOBILIÁRIO. DEFINIÇÃO LEGAL QUE SE AJUSTA À DINÂMICA DO MERCADO. SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS. CESSÃO DE CRÉDITO EMPREGADO COMO LASTRO NA EMISSÃO DE TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS. PACTUAÇÃO ACESSÓRIA DE FIANÇA. POSSIBILIDADE. CONFUSÃO ENTRE AS ATIVIDADES DESEMPENHADAS POR ESCRITÓRIOS DE FACTORING E PELOS FIDCs. DESCABIMENTO. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO. VIABILIDADE.

  1. Com a edição da MP n. 1.637/1998, convertida na Lei n. 10.198/2001, houve a introdução no ordenamento jurídico de conceituação próxima à do direito americano, estabelecendo que se constituem valores mobiliários os títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advenham do esforço do empreendedor ou de terceiros. A definição de valor mobiliário se ajusta à dinâmica do mercado, pois abrange os negócios oferecidos ao público, em que o investidor aplica seus recursos na expectativa de obter lucro em empreendimento administrado pelo ofertante ou por terceiro.
  2. Os Fundos de Investimento em Direito Creditório – FIDCs foram criados por deliberação do CMN, conforme Resolução n. 2.907/2001, que estabelece, no art. 1º, I, a autorização para a constituição e o funcionamento, nos termos da regulamentação a ser estabelecida pela CVM, de fundos de investimento destinados preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação.
  3. Portanto, o FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no mercado financeiro (vertente mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio da qual determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários colocados à disposição de investidores. Consoante a legislação e a normatização infralegal de regência, um FIDC pode adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais: o endosso, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido, e a cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 286-298 do CC, pro soluto ou pro solvendo.
  4. Foi apurado pelas instâncias ordinárias que se trata de cessão de crédito pro solvendo em que a recorrida figura como fiadora (devedora solidária, nos moldes do art. 828 do CC) na cessão de crédito realizada pela sociedade empresária de que é sócia. O art. 296 do CC estabelece que, se houver pactuação, o cedente pode ser responsável ao cessionário pela solvência do devedor.
  5. Recurso especial provido (Grifo nosso).

Referido julgado foi avalizado em recentíssimo julgamento, em 17/04/2020, prolatado pela Terceira Turma do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. CESSÃO DE CRÉDITO. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. VALIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE PREVÊ RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELOS TÍTULOS DE CRÉDITO. INADIMPLEMENTO DOS DEVEDORES. PRECEDENTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO (Grifo nosso).

Já em relação à responsabilização dos cedentes no âmbito da atividade das  securitizadoras, muito embora o entendimento não esteja consolidado na jurisprudência, é interessante destacar algumas decisões proferidas ao longo dos últimos anos. Do Tribunal de Justiça de São Paulo extrai-se:

RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO CONTRA R. SENTENÇA PELA QUAL FORAM REJEITADOS EMBARGOS À EXECUÇÃO – ALEGAÇÃO DE INCORREÇÃO, COM PEDIDO DE REFORMA – PRETENSÃO RECURSAL DIRIGIDA AO NECESSÁRIO RECONHECIMENTO DA NULIDADE DA DENOMINADA “CLÁUSULA DE RECOMPRA DE TÍTULOS” – ACERTO DA R. SENTENÇA ATACADA – INEXISTÊNCIA DE NULIDADESCESSÃO DE TÍTULOS PROMOVIDOS EM FAVOR DE EMPRESA SECURITIZADORA – ATIVIDADE QUE NÃO SE CONFUNDE COM FOMENTO MERCANTIL (“FACTORING”) – VALIDADE DA CLÁUSULA DE RECOMPRA – PRECEDENTES NESSE SENTIDO – RECURSO NÃO PROVIDO (Grifo nosso).

Embargos à execução. Termo de recompra confissão e assunção de dívida e outras avenças. Exequente que é empresa de securitização. Possível a cláusula de recompra dos títulos, transferindo ao cedente a responsabilidade pelo pagamento em caso de inadimplência. Sentença de improcedência. Decisão mantida. Recurso desprovido, com majoração da verba honorária e readequação da sentença, de ofício, aos limites do pedido (Grifo nosso).

EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Cessão de crédito – Alegação de nulidade da cláusula de direito de regresso pela insolvência dos devedores, eis que a Exequente atua de forma análoga às empresas de fomento mercantil – Exceção não conhecida – Insurgência – Acolhimento neste ponto – A matéria deduzida permite o pronto reconhecimento, sendo em tese de ordem pública e sua análise decorre de singela leitura de cláusulas contratuais – Apreciação do mérito – Hipótese que não versa sobre a mera insolvência dos devedores – Causa de pedir fundada na inexistência do crédito cedido – A recompra de títulos, quando pactuada entre as partes (nas hipóteses de vício ou nulidade na causa ou origem do próprio título), é válida e aceitável – Precedentes – Rejeição da medida – Recurso provido, em parte. AGRAVO INTERNO – Julgamento do mérito do agravo de instrumento – Perda de objeto do agravo interno – Recurso prejudicado (Grifo nosso).

Embargos à execução por título extrajudicial – Duplicatas inadimplidas – Instrumento Particular de Cessão de Direitos Creditórios com Coobrigação e Outras Avenças – Operação de securitização de recebíveis – Cláusula de Recompra e de responsabilidade pela solvabilidade do crédito cedido, nos termos dos arts. 914 e 296 do Código Civil – Cabimento da cobrança nesta hipótese, em face da cedente, por não se tratar de operação de factoring – Naturezas distintas – Improcedência dos embargos é medida que se impõe – Afastamento da multa por interposição de embargos de declaração protelatórios – Recurso provido (Grifo nosso).

EMBARGOS À EXECUÇÃO – SECURITIZAÇÃO DE ATIVOS FINANCEIROS – EXAME DO CONTRATO – RESPONSABILIDADE DA EMBARGANTE VERIFICADA – DECISÃO MANTIDA – Infere-se do exame dos autos que o contrato entre as partes é de securitização de recebíveis, com contratação de coobrigação do cedente pela inadimplência do devedor, não se tratando de fomento mercantil – Cláusula que prevê a responsabilidade do cedente pela existência e solvência dos créditos cedidos, diversamente do contrato de factoring – Embargada que tem por objeto social apenas a securitização dos recebíveis – Responsabilidade da embargante verificada – Ausência de comprovação de alegação de pagamento parcial – Sentença mantida – Recurso não provido (Grifo nosso).

E do Tribunal de Justiça de Santa Catarina vale destacar:

CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO. SECURITIZADORA-CESSIONÁRIA-EXEQUENTE QUE ACIONA APENAS OS RESPONSÁVEIS SOLIDÁRIOS, TENDO EM VISTA A SITUAÇÃO DE SOERGUIMENTO DA CEDENTE. EMBARGOS REJEITADOS. APELO DO EMBARGANTE.   INADMISSIBILIDADE DE DEMANDA DE REGRESSO. TESE REFUTADA. EXEQUENTE SECURITIZADORA, E NÃO EMPRESA DE FACTORING/FOMENTO MERCANTIL. EXECUTADOS QUE FIRMARAM CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO NA QUALIDADE DE RESPONSÁVEIS SOLIDÁRIOS.   AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE DESVIRTUAMENTO DA ATIVIDADE DA SECURITIZADORA, ADEMAIS.   […] Diferente é a atividade da securitizadora, por meio da qual a companhia adquire ativos recebíveis de empresas comerciais, industriais ou de serviços, a fim de angariar fundo para garantir a emissão de títulos (debêntures) que são colocados à disposição de investidores.   A aquisição de recebíveis, pela securitizadora, pode se dar, a depender da natureza do título, por endosso ou por cessão de crédito, disciplinada no art. 286 do Código Civil. Pactuando-se cessão pro solvendo, na forma do art. 296 do CC, o cedente ou o responsável solidário responde pela solvência do sacado. […]   APELO PARCIALMENTE PROVIDO. EMBARGOS ACOLHIDOS, EM PARTE; EXECUÇÃO EXTINTA, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO (Grifo nosso).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE QUE NÃO FOI VIOLADO. “INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE CESSÃO DE CRÉDITO, RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO E OUTRAS AVENÇAS”. CLÁUSULA DE RECOMPRA DE TÍTULOS. VALIDADE. CESSÃO CIVIL DE CRÉDITO. RESSARCIMENTO DOS VALORES EFETIVAMENTE DESEMBOLSADOS. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 286 A 298 DO CÓDIGO CIVIL. […] RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE (Grifo nosso).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO, RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO E OUTRAS AVENÇAS. SECURITIZADORA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PRELIMINARES EM CONTRARRAZÕES AFASTADAS. RECURSO DE APELAÇÃO DOS REQUERIDOS. INSURGÊNCIA EM RELAÇÃO À LEGALIDADE DA CLÁUSULA DE RECOMPRA E DE COBRANÇA DE JUROS ABUSIVOS. OPERAÇÃO DE SECURITIZAÇÃO DE ATIVO EMPRESARIAL NÃO REGULAMENTADA PELO BACEN. CONTRATO DESCARACTERIZADO PARA CESSÃO DE CRÉDITO CIVIL. HIPÓTESE EM QUE SE PERMITE A PACTUAÇÃO DE CLÁUSULA DE RECOMPRA. VEDADA A APLICAÇÃO DE JUROS EXTORSIVOS. EXEGESE DOS ARTS. 286 E 296 DO CÓDIGO CIVIL. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO ACERCA DE TODOS OS DISPOSITIVOS LEGAIS SUSCITADOS PELAS PARTES. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (Grifo nosso).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO, RESPONSÁVEL SOLIDÁRIO E OUTRAS AVENÇAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA.   1. PRELIMINARES.   1.1 CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS. MATÉRIA PREDOMINANTEMENTE DE DIREITO.   1.2 VÍCIO DE SENTENÇA CITRA PETITA. INEXISTÊNCIA. PEDIDOS DA AUTORA EXAMINADOS PELO SENTENCIANTE. Examinando o juízo sentenciante de todos os pedidos constantes da petição inicial, não há falar em vício de sentença citra petita. 1.3 ANULAÇÃO DO DECISUM PARA ANÁLISE DE CONTRADIÇÃO E OMISSÃO. DESCABIMENTO. EFEITO DEVOLUTIVO AMPLO DA APELAÇÃO QUE POSSIBILITA A APRECIAÇÃO DAS MATÉRIAS AVENTADAS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.   2. MÉRITO.   CESSÃO DE CRÉDITO. RECOMPRA, PELA EMPRESA CEDENTE, DE TÍTULOS INADIMPLIDOS PELOS DEVEDORES/SACADOS. POSSIBILIDADE. CONTRATO QUE PREVÊ EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE DAS EMBARGANTES PELA RECOMPRA EM CASO DE INADIMPLÊNCIA (CC, ART. 296).    3. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. INVERSÃO. 4. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. ART. 85, § 11, DO CPC/2015 (Grifo nosso).

Em análise das demais decisões sobre o tema, conclui-se que há uma marca notória sobre as atividades de factoring. A tendência natural dos magistrados, ao se depararem com o tema da responsabilização do cedente, é de assumir que os Fundos e Securitizadoras realizam, na realidade, atividade factoring, e que dissimulam sua operação para legitimar a cobrança pelo inadimplemento. Trata-se, claramente, de uma postura que ignora os contornos jurídicos e normativos da securitização, o que pode se explicar pela relativa novidade do segmento no país ao par da existência de algumas semelhanças da atividade com a de faturização.

Ainda que incipiente, observamos que as decisões rumam acertadamente para o entendimento de que não há qualquer fundamento jurídico para se restringir a aplicação das cláusulas de corresponsabilização dos cedentes no âmbito da atividade operada pelos fundos de investimento em direitos creditórios e securitizadoras.

Por fim, vale lembrar, como já abordado, que o Código Civil autoriza a responsabilização do cedente, de acordo com seu artigo 296, desde que expressa essa situação no contrato de cessão de créditos. Cabe então aos Fundos e Securitizadoras promoverem, das mais variadas formas, a divulgação das atividades por elas desempenhadas e das suas diferenciações em relação à faturização, até que os Tribunais absorvam essa realidade e passem a apreciar devidamente a matéria.

¹ Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.

² Art. 2º Para efeito do disposto nesta instrução, considera-se:[…]

XV – coobrigação: é a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro.

³ TJSP. Apelação Cível n. 1001372-33.2018.8.26.0358, Des. Ramon Mateo Junior, 20/04/2020.

4 TJSP. Apelação Cível n. 1035461-17.2017.8.26.0100; Relator (a): Achile Alesina; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 45ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/04/2018.

5 TJSP. Apelação Cível 1071132-38.2016.8.26.0100; Relator (a): João Camillo de Almeida Prado Costa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 39ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/08/2019.

6 RECURSO ESPECIAL Nº 1.726.161 – SP (2018/0041251-0). J. em 06/08/2019. P. em 03/09/2019. Quarta turma. Min. Rel. Luis Felipe Salomão.

7 RECURSO ESPECIAL Nº 1827376 – SP (2019/0206792-1). J. em 17/04/2020. P. em 04/05/2020. Terceira Turma. Min. Marco Aurélio Bellizze.

8 TJSP. Apelação Cível n. 1002381-67.2019.8.26.0011; Relator (a): Simões de Vergueiro; Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI – Pinheiros – Data do Julgamento: 12/12/2019.

9  TJSP. Apelação Cível n. 1041413-06.2019.8.26.0100; Relator (a): Cauduro Padin; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 11/11/2019.

10 TJSP. Agravo Interno Cível n. 2241976-08.2019.8.26.0000; Relator (a): Mario de Oliveira; Órgão Julgador: 38ª Câmara de Direito Privado; 11/05/2020.

11 TJSP. Apelação Cível n. 1009466-75.2017.8.26.0011; Relator (a): Thiago de Siqueira; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI – Pinheiros – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/03/2019; Data de Registro: 21/03/2019.

12 TJSP. Apelação n. 1077878-53.2015.8.26.0100; Relator (a): Luiz Arcuri; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 20ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/08/2017; Data de Registro: 10/08/2017.

13 TJSC. Apelação Cível n. 0304541-95.2017.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 21-05-2020.

14 TJSC. Apelação Cível n. 0303518-87.2016.8.24.0011, de Brusque, rel. Des. Jânio Machado, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 07-02-2019.

15 Apelação Cível n. 0014638-88.2011.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Soraya Nunes Lins, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 13-9-2018.

16 TJSC. Apelação Cível n. 0025159-24.2013.8.24.0008, de Blumenau, rel. Des. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 17-07-2018.

Por

Michel Scaff Junior

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]

Michel Scaff - Menezes Niebuhr

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