07 | 01 | 2020
Planejar, gerenciar e governar cidades de forma sustentável, maximizando as oportunidades econômicas e minimizando os danos ambientais são grandes desafios que praticamente todos os países vão enfrentar nesta nova década que se inicia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a previsão é que, em 2050, mais de 80% da população da América Latina viva em áreas urbanas.
Atualmente, Florianópolis integra a seleta lista da Rede de Cidades Criativas da Unesco, um projeto criado em 2004 com o intuito de promover a integração e cooperação de cidades que valorizam e reconhecem a criatividade como elemento impulsionador para seu desenvolvimento. As cidades escolhidas são destaque no que tange ao seu histórico de atuação nas sete categorias consideradas pela Unesco como impulsionadoras da economia, como o artesanato e artes folclóricas, artes midiáticas, design, cinema, gastronomia, literatura e música.
Hoje, as cidades vêm recebendo diversas categorizações e adjetivações, como cidades inteligentes, cidades criativas, cidade humana, cidade empreendedora, cidade educadora. Todas elas convergem para o reconhecimento de que precisam se reinventar em função de uma série de motivos; entre os principais, o crescimento populacional vertiginoso. Dados do último Censo, realizado em 2010, indicam que 84,4% da população brasileira é urbana e vive em cidades que apresentam desigualdades gritantes e enfrentam desafios complexos e integrados, que impactam na necessidade de reinvenção da sua dinâmica. Por outro lado, apresentam novas soluções e oportunidades, com o crescimento das tecnologias digitais, com as possibilidades de geração de modelos de negócios, circulação de capital tecnológico e reconhecimento da lógica da valorização do que é local.
Mesclar desafios e oportunidades em um mesmo ritmo pode acelerar o processo de transformar “cidades tradicionais” em “cidades inteligentes”. Com o surgimento da tecnologia digital, da Internet e das tecnologias móveis, essa transformação torna-se mais viável a cada dia. Uma cidade inteligente é aquela que utiliza de meios sustentáveis, tecnologia da informação e comunicação para melhorar a qualidade de vida das pessoas, a eficiência das operações e serviços urbanos, enquanto garante o atendimento das necessidades das gerações atuais e futuras com relação aos aspectos econômicos, sociais e ambientais. Portanto, uma cidade, para ser considerada inteligente, deve necessariamente incorporar aspectos relativos à melhoria da governança, do planejamento, da infraestrutura e de como isso reflete no capital humano e social. Para isso, os recursos públicos precisam ter melhor utilização e os ativos naturais precisam ser explorados de forma consciente e responsável.
Reinventar para se transformar
Para Ana Carla Fonseca, consultora, conferencista e assessora para a ONU, referência internacional em economia criativa, cidades criativas e negócios criativos, para que uma cidade esteja inserida em um contexto de transformação criativa do seu organismo é preciso que ela resgate a autoestima das pessoas, inclusive do ponto de vista da sua inserção nos fluxos econômicos e sociais. Ana argumenta que é importante fazer com que as pessoas se sintam responsáveis pelo espaço público, e se as cidades são feitas para os cidadãos é essencial que eles se sintam felizes para conseguirem criar de forma colaborativa e conectada, fundamentalmente inseridos nas premissas das políticas públicas, com novos modelos de governança e fomento da cultura local. Nesse sentido, Ana Carla explica que Florianópolis tem se reposicionado, dentro da lógica da reinvenção, pelas dores e acertos do que ocorreu nas últimas décadas, por meio do entendimento das tecnologias como motores de geração de soluções para a cidade, estimulando dessa forma o fomento de recursos e a retenção de talentos que movimentam a economia local, sem esquecer daquilo que de fato caracteriza a cidade: o seu patrimônio e a sua cultura.
“O termo cidades criativas integra as necessidades de conexões, inovações e cultura do que é peculiar. E para que consigamos nos projetar no futuro com uma estratégia mais clara e assertiva, precisamos funcionar como um estilingue, ou seja, dar um passo atrás para entender o que caracteriza o nosso espaço e o nosso território compartilhado. Com o olhar de quem acompanha as mudanças da capital catarinense, parece-me que Florianópolis poderia investir mais no que caracteriza a cidade como singular, para que as pessoas tenham uma oxigenação de ideias, novos estímulos que fomentem o talento criativo dos cidadãos comuns. O estímulo à economia criativa gera valor agregado na economia como um todo”.
Sabemos que o caminho para a transformação de uma cidade que pretende ser mais criativa e inteligente para os seus cidadãos têm, pelo menos, três eixos elementares: inovação, visão em longo prazo e sustentabilidade. Pensando no fluxo histórico ao longo do nosso conhecimento sobre as cidades, aquelas que se apropriaram dos desafios e das particularidades do seu contexto urbano e social para propor novas formas de utilizar os seus recursos e, assim, aumentar a qualidade de vida dos seus moradores se mostram como exemplos inteligentes e inovadores de reinvenção do contexto social e urbano. Cidades que continuamente se reinventam e propõem soluções para os seus problemas estruturais. Os impactos que se desenvolvem por meio de modelos criativos são muitos e podem contribuir com a melhoria de diversos cenários, entre eles educação, saúde, bem-estar, lazer, potencial econômico e de qualificar a experiência turística.
Nesse contexto, a tecnologia é fator indispensável para que as cidades acompanhem o ritmo de transformação da sociedade e atendam às expectativas e necessidades da população, através de soluções inovadoras para um desenvolvimento urbano inteligente. Especialmente em Florianópolis, ela tem se mostrado fundamental no processo de tornar o centro urbano mais eficiente e de oferecer boa qualidade de vida e gestão dos recursos por meio de processos cada vez mais participativos.
Diego Ramos, diretor da Vertical Conectividade & Cloud da ACATE e Diretor Geral da Teltec Solutions, destaca iniciativas inovadoras que têm utilizado de toda a cidade como plataforma para otimização da gestão urbana e implementação de novos serviços inteligentes. Como exemplo, o Living Lab, idealizado em 2017, por meio de um projeto-piloto na Rua Vidal Ramos, uma parceria entre ACATE, ACIF e Prefeitura Municipal de Florianópolis. Tendo como escopo implementar soluções inovadoras para o desenvolvimento urbano inteligente, o projeto expandiu com testes das soluções utilizando toda a cidade.
Para Ramos, é importante destacar que uma smart city não nasce do dia para a noite. “Precisamos construir um legado de infraestrutura, entender a vocação do município e contar com o que há de melhor em infraestrutura tecnológica, incluindo o suprimento de energia e a conectividade digital. Entretanto, o maior desafio para a digitalização da infraestrutura urbana e implementação em escala de plataformas e serviços de cidades inteligentes é justamente o gargalo de infraestrutura de conectividade existente hoje na maioria das cidades brasileiras, e Florianópolis não é diferente”.
Ele salienta que as cidades brasileiras precisam se apoderar da digitalização e da Internet das Coisas para criar novos empregos e novas oportunidades de inovação, assim como ajudar a melhorar o PIB do Brasil e preparar melhor nossa nação para competir na economia digital global.
E o mercado imobiliário?
Todos os aglomerados urbanos apresentam desafios a serem enfrentados. As grandes cidades e as áreas metropolitanas são vistas cada vez mais como sistemas complexos com conexões entre seus diferentes ambientes e indivíduos. Por isso cresce a importância do planejamento urbano e do desenvolvimento de mecanismos de decisão dinâmicos, que levem em conta esse crescimento urbano e populacional.
Para o especialista em direito imobiliário, Diogo Bonelli Paulo, atualmente, o modelo urbano que valoriza espaços desarticulados propicia a carência de conexão entre os cidadãos. E, nesse sentido, um planeamento urbano que avalia de forma realista o legado do mercado imobiliário na vida das pessoas prioriza melhores condições de vida com o mínimo impacto ambiental possível. Ele explica que o desenvolvimento de um novo paradigma para políticas públicas, focadas em urbanismo e baseadas em diagnósticos precisos dos recursos, poderá testar as vocações das cidades em modelos de gestão em baixa escala.
“Para gerenciar e melhorar as cidades é preciso conhecer o que ocorre nelas, em suas diferentes regiões, e isso só é possível com mudanças nas estruturas de governo e nos processos de comunicação e participação dos diferentes atores que atuam em sua gestão”, explica.
Para Bonelli, o empreendedor que investe na área imobiliária precisa olhar para esse objetivo e convergir com as soluções urbanas que visem à sustentabilidade. Por isso, novos empreendimentos podem ser preparados para apresentar soluções focadas na qualidade de vida dos moradores da cidade. Reutilização da água, placas fotovoltaicas, espaço para estacionamento de patinetes, carros elétricos, bicicletas compartilhadas, serviços compartilhados são algumas soluções que, se implementadas, auxiliam na promoção da qualidade de vida no dia a dia.
“Hoje, Florianópolis apresenta algumas soluções urbanas e práticas do mercado imobiliário e de urbanismo que fomentam o uso de transportes alternativos, como bicicletas e patinetes e semáforos inteligentes. Alguns prédios na cidade já olham para esse objetivo, como o Beiramar Shopping, que conta com vagas para carros elétricos, o prédio da Engie, que tem na sua fachada placas fotovoltaicas. Alguns espaços no Centro estão preparados para receberem patinetes e bicicletas. Então, já temos empreendimentos que apresentam soluções visando à qualidade de vida dos moradores da cidade”, destaca.
Bonelli afirma que o Centro de Florianópolis tem características peculiares que permitem o desenvolvimento de práticas inteligentes, como residência, comércio, serviços, escolas, movimentos culturais e história em um espaço muito próximo. Essa configuração permite a adoção de políticas públicas e sociais e incremento da iniciativa privada para aumentar a segurança e valorizar o espaço urbano que destrave nós para investimentos de empreendedores.
A Grande Florianópolis tem como modelo de prática urbana e imobiliária sustentável e baseada nos conceitos de smart city a cidade-bairro da Pedra Branca, em Palhoça, construída em 1999, onde antes era uma fazenda familiar. O projeto prioriza a localização do comércio varejista, do lazer, da educação e da prestação de serviços, sempre a distâncias pequenas, para que todos os moradores se desloquem de bicicleta ou a pé. Seu conceito busca um ideal de moradia onde as pessoas possam conviver, trabalhar e se divertir com qualidade de vida.
Marcelo Gomes, diretor da Cidade Criativa Pedra Branca, explica que o bairro, assim como qualquer projeto de urbanismo inteligente, precisa encarar que o seu desenvolvimento enfrenta processos de longo prazo, permeados por desafios.
“As cidades, hoje em dia, estão se perdendo nos encontros, porque vivemos uma dinâmica de cidades setorizadas e em função do automóvel. Isso diminuiu a probabilidade das pessoas se encontrarem. O urbanismo inteligente vem para facilitar o encontro entre as pessoas, pois é ele que estimula a criatividade, o compartilhamento, a troca e a cultura. Desenvolver projetos que permitam os encontros é o legado que o urbanismo inteligente precisa deixar para as cidades”, avalia.
Para Marcelo, hoje as cidades tem desafios de longo prazo para se transformarem aos poucos, e nessa pauta o foco em mobilidade com o mínimo de deslocamento e o desenvolvimento das comunidades com mais segurança e autonomia podem contribuir para que projetos de urbanismo inteligente sejam irradiadores de bons exemplos no tecido social.
É certo que a preocupação com a qualidade de vida mudou as características dos moradores das cidades. Julio Ripper, sócio da Vokkan Urbanismo, comenta que uma das premissas ao pensar em projetos inteligentes é que haja conectividade entre as necessidades dos diferentes perfis de cidadãos. E, para Ripper, uma cidade só é inteligente e conectada quando consegue pensar o planejamento urbano e o desenvolvimento econômico de uma maneira integrada.
“Pensar em um bairro também significa estruturar um espaço com diversidade e que ofereça comodidade a todos. Para isso, é preciso oferecer não só espaço para residências, como também para comércio, serviços e lazer, não apenas para aquele público, mas que atenda à demanda de toda uma cidade. Além de dar mais conforto à população, essa variedade, aliada a uma boa iluminação pública, aumenta a segurança do local, gerando um maior fluxo e criando atrativos para todo o entorno”, explica.
À frente de uma empresa jovem, mas com grande expertise no mercado da construção civil, Julio destaca a atuação da Vokkan no meio norte de Santa Catarina no desenvolvimento de um projeto de três bairros planejados em Porto Belo, Navegantes e Joinville. A escolha da região considerou alguns fatores, como a demanda reprimida desses espaços, o crescimento exponencial e fatores econômicos, uma vez que o Vale do Itajaí e o norte catarinense correspondem a mais de 60% do PIB de Santa Catarina, congregando 65% dos empregos do Estado.
Segundo ele, os projetos seguem uma abordagem aberta, otimista e colaborativa, que passa por um viés não apenas da arquitetura e do urbanismo, mas também pautada nas ciências sociais e comportamento humano. “Nossa proposta não é criar minicidades dentro dos municípios, mas sim agregar serviços e potencialidades às regiões. Os projetos também levarão um ganho econômico para as regiões, uma vez que os bairros planejados valorizam a localidade”.
Vocação para sustentabilidade, urbanismo e turismo
Florianópolis tem sido reconhecida pela sua vocação para ser uma cidade sustentável. O olhar de Anita Pires, presidente da Associação FloripAmanhã e coordenadora do programa Florianópolis Cidade Criativa Unesco da Gastronomia, para o potencial da cidade na transformação do seu perfil urbano e no processo de desenvolvimento local está focado em iniciativas para o estímulo da economia criativa, incluindo turismo, gastronomia, cultura, tecnologia e projetos de gestão do lixo, políticas de incentivo à produção de energias limpas em residências e a preservação de áreas ambientais.
“A sustentabilidade da forma como as empresas, as entidades empresariais e o terceiro setor vêm trabalhando é uma exigência fundamental para que a cidade se projete para o futuro dos seus filhos, para a boa acolhida para os seus idosos. Uma cidade que realmente trabalha na construção de universidades que fomentem a pesquisa e a necessidade de se projetar experiências que realmente a tornem sustentável. Florianópolis tem aparecido nas estatísticas do Brasil e do mundo como sendo uma cidade diferenciada no país”, ressalta.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Comunicação Menezes NIebuhr
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