02 | 06 | 2025

Contrata + Brasil: inovação real nas contratações públicas ou velhas práticas com nova roupagem?

Contrata + Brasil: iniciativa para desburocratizar as contratações públicas. Veja os acertos e pontos de melhoria desse novo modelo lançado pelo Governo Federal.

O programa Contrata + Brasil foi lançado em fevereiro de 2025 pelo Governo Federal com o objetivo de fomentar a economia local por meio de contratações públicas direcionadas às microempresas e empresas de pequeno porte.

A proposta é ambiciosa: promete reduzir a burocracia para contratar serviços, ao mesmo tempo que busca facilitar a interação entre entidades públicas e pequenos negócios, sem abrir mão do planejamento, da modernização e da economicidade.

Entretanto, após três meses de sua implementação, surgem algumas reflexões: o Contrata + Brasil está, de fato, entregando os resultados que propõe? Ou ainda está em fase de amadurecimento rumo a esses objetivos?

  1. Como funciona a plataforma?

O programa Contrata + Brasil funciona da seguinte maneira: o ente da federação adere à plataforma e publica a necessidade de um serviço, permitindo que os fornecedores cadastrados enviem suas propostas com os respectivos preços para a realização do trabalho. Ao término do prazo estabelecido, analisa-se as propostas, seleciona-se a mais vantajosa e formaliza-se a contratação.

Na prática, funciona como um mural eletrônico no qual a entidade demonstra a necessidade de um serviço, enquanto os fornecedores ficam livres para oferecer suas propostas pelo valor que considerarem adequado. Os demais documentos, de habilitação e proposta, só serão exigidos caso o fornecedor seja selecionado.

A Instrução Normativa SEGES/MGI n. 52/2025 regulamenta o funcionamento do programa e, em seu artigo 5º, restringe à Central de Compras da Secretaria de Gestão e Inovação a definição dos objetos que podem ser contratados – os quais estão limitados a serviços de manutenção e pequenos reparos. Ou seja, os entes aderentes não têm liberdade para escolher qualquer objeto, já que estão limitados àqueles predefinidos pelo programa.

O Estudo Técnico Preliminar, elaborado de forma padronizada pela própria Central, já está disponível no portal e lista 47 classes de serviços, que vão desde manutenção elétrica até conserto de instrumentos musicais. O valor máximo das contratações é de R$ 12.545,11.

  1. O Contrata + Brasil cumpre o objetivo de modernizar as contratações de serviços de reparo e manutenção?

O objetivo da plataforma é desburocratizar as contratações de baixa complexidade. A proposta é aplicar mecanismos mais céleres e padronizados às contratações de baixo valor e risco, reservando procedimentos mais robustos para aquelas de maior relevância econômica e risco elevado.

Esse, aliás, é um dos principais desafios enfrentados com a vigência da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei n. 14.133/2021), que ampliou o rol de exigências para o planejamento das contratações. A Nova Lei incluiu múltiplas etapas e documentos, mesmo quando se trata de aquisições rotineiras, algo que tende a desaguar em morosidade e ineficiência. Observa-se, na prática, a dificuldade do gestor em seguir todas as exigências necessárias ao planejamento

O programa Contrata + Brasil busca justamente enfrentar esse problema a partir de uma lógica inversa: modernizar as contratações públicas por meio da redução da burocracia nos serviços de baixo risco e baixa complexidade. Para isso, implementou a padronização do ETP para serviços de manutenção e reparo, adotou a comunicação com fornecedores via WhatsApp e permitiu o pagamento por meio de PIX.

Mais do que esses aspectos pontuais, o que realmente se destaca e tem potencial de transformar a forma como se contrata, é a proposta de desmistificar a comunicação entre fornecedores e a Administração Pública. Esse ponto pode passar despercebido por gestores e profissionais acostumados a lidar com termos como “empenho”, “liquidação”, “fatura”, “inexigibilidade”, “homologação”, “pregão” e “CND” – mas representa uma barreira real para quem está fora do universo da contratação pública.

É justamente por simplificar essa linguagem, que o programa Contrata + Brasil se destaca. Tornar essa comunicação mais acessível, com termos mais simples, tende a tornar as licitações mais atrativas, ampliando a competitividade e, por consequência, reduzindo os preços. Até porque diminuir a distância entre fornecedor e Administração Pública é fundamental para garantir eficiência.

No que diz respeito à seleção do fornecedor propriamente dita, observa-se que a plataforma optou por não revelar o preço estimado da contratação. Até porque a pesquisa de mercado será feita concomitantemente à seleção da proposta. Isso somado ao fato de que os interessados não têm acesso simultâneo à proposta dos concorrentes, cria uma espécie de mecanismo de revelação de informação inédita até agora.

Na prática, trata-se de algo semelhante a concorrência à moda antiga, nos moldes da Lei n. 8.666/1993: não há disputa por lances sucessivos, e os licitantes não têm acesso ao número de concorrentes nem ao nível real de competitividade. O ineditismo é que, somado a isso, tem-se orçamento sigiloso, o que acentua a assimetria de informações. Isto é, boa parte dos dados relevantes permanece inacessível, o que pode estimular o fornecedor a entregar seu melhor preço.

No que se refere ao monitoramento da contratação, o programa traz uma inovação relevante: a possibilidade de suspensão do órgão comprador em caso de descumprimento do prazo de pagamento aos fornecedores (§ 2º do artigo 28). É sabido que muitos órgãos da Administração Pública enfrentam dificuldades para cumprir esses prazos, o que representa um desincentivo importante à participação em licitações – especialmente por parte daqueles que têm fluxo de caixa limitado e não conseguem suportar longos períodos de inadimplência.

Considerando que, até então, não havia consequências significativas para o atraso nos pagamentos, a suspensão do acesso à plataforma até a regularização da situação surge como um mecanismo interessante para estimular maior responsabilidade por parte dos entes públicos. Resta perceber se essa espécie de punição, na prática, trará o efeito esperado.

Até aqui, parece claro que o programa trouxe inovações relevantes, que podem facilitar o cotidiano de gestores e fornecedores. Entretanto, há também espaço para críticas. Embora o procedimento pareça, à primeira vista, descomplicado, na prática as entidades que pretendem aderir ao Contrata + Brasil enfrentam morosidade considerável — tanto para a adesão inicial ao SIASG quanto, em seguida, realizar o procedimento de integração e acesso ao sistema.

Nesse mesmo sentido, também chama atenção a quantidade de documentos exigidos para que o fornecedor conclua seu cadastro no SICAF. Considerando que se trata de contratações de baixo risco e complexidade, seria razoável esperar que os critérios de habilitação fossem mais simples e proporcionais – o que, infelizmente, não ocorreu.

Nem tudo, portanto, funciona com a agilidade que se espera de uma solução tecnológica pensada para otimizar contratações pública. A morosidade e o excesso de formalismo é uma velha prática difícil de abandonar. A cultura administrativa é marcada pela cautela e por um apego a procedimentos tradicionais, o que dificulta a adoção plena de soluções mais simples e eficientes.

  1. Afinal, o Contrata + Brasil está, de fato, entregando o que propõe?

Sim, o Contrata + Brasil está no caminho para atingir os objetivos a que se propõe. A centralização e a padronização dos processos representam avanços importantes, especialmente para órgãos de menor porte, que agora contam com uma alternativa mais simples e estruturada de contratação.

Além disso, adesão à plataforma federal não é a única via possível. Os entes também podem, por meio de regulamentação própria, desenvolver sistemas semelhantes, com regras mais adequadas às suas realidades locais e, inclusive, com um escopo ampliado de objetos, priorizando aqueles mais recorrentes em sua rotina administrativa. Ainda que em fase de amadurecimento, o programa já sinaliza uma mudança positiva no modelo tradicional de contratações públicas.

Referências

BRASIL.Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Termo de adesão. Portal de Compras do Governo Federal, [202?]. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/agente-publico/termo-de-adesao. Acesso em: 15 maio 2025.

BRASIL. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Secretaria de Gestão. Instrução Normativa SEGES/MGI nº 52, de 10 de fevereiro de 2025. Cria o Contrata+Brasil, plataforma de negócios públicos, módulo integrado à plataforma do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais (Siasg), e dá outras providências. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-seges-mgi-no-52-de-10-de-fevereiro-de-2025. Acesso em: 20 maio 2025.

BRASIL. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Conheça o Contrata+Brasil. Brasília, DF: Governo Federal, 2025. Disponível em: https://www.gov.br/contratamaisbrasil/pt-br/conheca-o-contrata-brasil. Acesso em: 20 maio 2025.

Por

Fernanda Senna

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Mestre em Direito do Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduada em […]

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