18 | 07 | 2024
O atraso no atendimento e na entrega de produtos e serviços tem sido uma constante fonte de litígios nos processos envolvendo o direito do consumidor. Com o aumento das compras pela internet, principalmente o ponto dos atrasos nas entregas tornou-se ainda mais relevante.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Recurso Especial 1.406.245, que trata da presunção de dano moral quando não são observados os prazos fixados por legislação municipal específica para a prestação de serviços bancários, levanta questões importantes sobre a responsabilidade dos fornecedores e os direitos dos consumidores. Em especial, como essa decisão impactará o entendimento sobre danos morais decorrentes de atrasos e a polêmica em torno do tempo perdido pelo consumidor.
No julgamento em questão, o STJ concluiu que a mera alegação genérica de que se está deixando de cumprir compromissos diários, profissionais, de lazer e de descanso, sem a comprovação efetiva do dano, configura um abuso na interposição de ações por indenização em decorrência de supostos danos morais. Segundo o Ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, é necessário que haja uma lesão efetiva a direitos da personalidade para que se configure o dano moral.
A decisão destaca que aborrecimentos cotidianos não justificam a concessão de indenizações, enfatizando que o dano moral deve ser reservado para situações que afetam interesses existenciais do consumidor, como sua honra, privacidade ou integridade psíquica. Este é o ponto-chave para a extensão
desse entendimento: quais situações são realmente passíveis de indenização?
Importante destacar que a decisão do STJ não exclui a possibilidade de o consumidor pleitear indenização por dano moral. O pedido pode ser apresentado, desde que esteja comprovado o prejuízo sofrido. Ou seja, não há presunção automática de dano extrapatrimonial em casos de atraso como o
narrado, mas subsiste o direito de buscar reparação judicial, devendo ser apresentadas evidências concretas de como o atraso impactou negativamente os direitos da personalidade do autor.
Entendimento como esse tem sido mais recorrente nos tribunais pátrios, como exemplo em decisões relacionadas à ausência de dano moral presumido nos casos de atraso ou cancelamento de voos.
A doutrina tem discutido amplamente a questão do tempo perdido pelos consumidores. O jurista Marcos Dessaune argumenta que o desvio produtivo do consumidor, causado pela ineficiência do fornecedor em resolver problemas de forma célere e adequada, gera prejuízo extrapatrimonial indenizável.
Entende-se que a perda de tempo útil do consumidor, ao ser obrigado a resolver problemas a que não deu causa, configura prática abusiva que deve ser reparada. Entretanto, a ineficiência do fornecedor pode ser endereçada de outra forma, por meio de uma fiscalização ativa de órgãos de proteção e fiscalização. As instituições de defesa do consumidor podem e devem desempenhar um papel crucial na mitigação de eventuais abusos cometidos nas relações de consumo, garantindo que os fornecedores, de fato, cumpram suas obrigações de forma eficiente. A atuação preventiva e punitiva pode ajudar a reduzir a ocorrência de abusos e melhorar a qualidade do atendimento ao consumidor, promovendo
um ambiente de maior respeito aos seus direitos.
Embora se fale muito em evitar a “indústria do dano moral”, é fundamental considerar a perspectiva do consumidor e o impacto real dos atrasos em sua vida cotidiana. A ausência de atitude por parte dos órgãos fiscalizadores pode até mesmo desestimular os fornecedores a melhorarem seus processos e
atendimento.
O REsp 1.406.245 do STJ estabelece um importante precedente ao restringir a concessão de indenizações por danos morais a casos que envolvam lesões efetivas a direitos da personalidade. Por outro lado, a lição de Marcos Dessaune acerca do desvio produtivo do consumidor ressalta a importância de reconhecer o tempo perdido como prejuízo indenizável.
O equilíbrio entre as duas teses é crucial para assegurar que os direitos dos consumidores sejam efetivamente protegidos, sem incentivar litígios frívolos. Não obstante, uma fiscalização mais ativa pode contribuir significativamente para a melhoria dos serviços, evitando também o ajuizamento massivo de
ações de indenização por danos morais.
Considerando que aproximadamente um quinto das ações em trâmite no país tem como objeto problemas na relação entre consumidor e fornecedor e que considerável parte contém o pedido de indenização por danos morais sem qualquer fundamentação específica ou prova do dano, entende-se que cada vez mais estaremos diante de julgados que afastam a presunção da existência de danos morais. Passa-se a um cenário, então, em que a prova da lesão efetiva a direitos da personalidade será necessária para que se reconheça o dano moral sofrido pelo consumidor.
O artigo foi publicado no portal JusCatarina, no dia 11 de julho de 2024.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]
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