29 | 07 | 2024
Recentemente, diversos contribuintes têm sido surpreendidos pela Receita Federal com o indeferimento dos seus pedidos de autorregularização de débitos tributários. O motivo alegado é a ausência de retificação das declarações relativas ao período objeto do benefício, mesmo que os contribuintes tenham declarado adequadamente o valor do débito no pedido de adesão à autorregularização. Essa exigência é questionável em termos de legalidade.
O artigo 2º, §3º, da Lei nº 14.740/2023 determina que os tributos não constituídos incluídos pelo sujeito passivo na autorregularização serão confessados por meio da retificação das correspondentes declarações e escriturações.
No entanto, a Instrução Normativa RFB nº 2.168/2023, ao regulamentar o programa, criou uma redação dúbia quanto à necessidade de constituição:
Art. 3º Podem ser incluídos na autorregularização incentivada de que trata esta Instrução Normativa os seguintes tributos:
I – que não tenham sido constituídos até 30 de novembro de 2023, inclusive em relação aos quais já tenha sido iniciado procedimento de fiscalização; e
II – constituídos no período entre 30 de novembro de 2023 até 1º de abril de 2024.
(…)
§ 2º A inclusão dos tributos a que se refere o inciso II do caput na autorregularização incentivada fica condicionada à confissão da dívida pelo devedor mediante entrega ou retificação das declarações correspondentes ou, excepcionalmente, mediante cadastramento do débito apenas nas situações a que se aplica.
De acordo com o dispositivo mencionado, a exigência de retificação das correspondentes declarações seria aplicável somente no caso do inciso II, ou seja, em relação aos débitos constituídos entre 30.11.2023 e 01.04.2024.
Em relação à hipótese do inciso I, que trata dos débitos não constituídos até 30.11.2023, é possível defender que a retificação não seria condição para a autorregularização, principalmente porque a própria redação do artigo 5º da citada IN não estabelece a retificação das obrigações acessórias como requisito para a formalização do requerimento.
Independentemente disso, ainda que se defenda a necessidade de constituição do débito mediante retificação das declarações, é razoável considerar que tal exigência se trata de mero formalismo que não pode obstar a permanência do contribuinte no programa.
Ambas as turmas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) adotam entendimento pacífico quanto à aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade diante da exigência de requisitos para permanência em programas especiais de parcelamento (5026689-61.2021.4.04.7000, 1ª Turma, julgado em 17.04.2024; 5007123-16.2023.4.04.7208, 2ª Turma, julgado em 17.04.2024). As demais cortes regionais seguem a mesma orientação.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, não possui orientação firmada sobre essa matéria, considerando que a discussão sobre a proporcionalidade desse requisito não é cabível pela via do Recurso Especial por envolver a reanálise de fatos, de acordo com a Súmula 7/STJ (EDcl no AgInt nos EDcl no REsp 1932247).
É sempre recomendável aos optantes pela autorregularização que promovam a retificação das suas correspondentes obrigações acessórias. Contudo, isso nem sempre é possível devido a uma série de dificuldades práticas que envolvem a recomposição da escrita contábil e fiscal, especialmente para os grandes contribuintes.
Nesse cenário, os contribuintes afetados pelo indeferimento da autorregularização pela omissão do dever de retificação das suas declarações devem considerar a relevante probabilidade de reversão dessa decisão administrativa mediante questionamento ao Poder Judiciário.
O artigo foi publicado no portal Conjur, no dia 28 de julho de 2024.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Ex-Conselheiro […]
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