13 | 05 | 2022
Neste mês de maio entram em vigor novas regras e critérios para a elaboração e a comercialização de planos de Seguro Garantia. Trata-se da Circular SUSEP nº 622, de 11 de abril de 2022, que revoga a normativa até então vigente, a Circular SUSEP nº 477/2013, e determina que, a partir de janeiro de 2023, as seguradoras não poderão comercializar novos contratos de seguro em desacordo com as recentes disposições.
O Seguro Garantia tem por objetivo garantir o fiel cumprimento das obrigações garantidas, envolvendo uma relação tripartite, na qual figuram a seguradora, o tomador e o segurado. Devedor das obrigações estabelecidas no objeto principal, ou seja, na relação jurídica geradora de obrigações e direitos entre ele e o segurado, o tomador é quem busca, na sociedade seguradora, a garantia para o cumprimento das obrigações por ele assumidas com o segurado, beneficiário do seguro. Portanto, o risco assegurado é o de inadimplemento pelo tomador da obrigação garantida. Dessa forma, na hipótese de sinistro, ou seja, de inadimplemento da obrigação garantida, a seguradora executa a obrigação garantida, nos mesmos termos e condições estabelecidos no objeto principal ou conforme acordado entre segurado e seguradora, ou indeniza o beneficiário, até o valor da garantia, mediante o pagamento em dinheiro dos prejuízos, multas e/ou demais valores devidos pelo tomador e garantidos pela apólice.
O Seguro Garantia consiste, portanto, em um contrato vinculado a uma outra relação jurídica, da qual são sujeitos o tomador e o segurado, podendo a sua importância prática ser exemplificada por algumas de suas principais modalidades.
O Código de Processo Civil refere-se ao Seguro Garantia ao tratar da garantia do juízo nos procedimentos executivos, mais especificamente para permitir que o referido seguro substitua a penhora. Com efeito, no Seguro Garantia Judicial, celebrado entre o executado e a seguradora, o risco de inadimplemento da obrigação executada passa a ser coberto pela seguradora contratada. O mecanismo securitário atende ao interesse do exequente, pois possibilita que a execução cumpra o seu propósito, e, simultaneamente, ao do executado, que se livra do ato constritivo.
Em termos semelhantes, o Seguro Garantia Imobiliário assegura a construção física da unidade imobiliária adquirida pelo segurado. Configurado o sinistro pelo inadimplemento das obrigações do incorporador ou da construtora, a seguradora deverá concluir o empreendimento garantido ou ressarcir o adquirente do imóvel em construção mediante a devolução das importâncias por ele pagas ao tomador.
Por fim, como último exemplo, o Seguro Garantia para Construção, Fornecimento ou Prestação de Serviços é previsto como uma modalidade de garantia básica no artigo 96, § 2º, inciso II, da Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Ele garante à Administração Pública a indenização, até o valor da garantia fixado na apólice, pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento das obrigações assumidas pelo tomador no contrato principal, para construção, fornecimento ou prestação de serviços. É importante destacar que, relativamente às contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, a nova Lei aumentou o percentual máximo da garantia, que, na Lei nº 8.666/1993, era de 10%. De acordo com o artigo 99 da Lei nº 14.133/2021, a Administração Pública poderá exigir a prestação de garantia, na modalidade seguro-garantia, em percentual equivalente a até 30% do valor inicial do contrato. O referido dispositivo também autoriza a previsão de cláusula de retomada, hipótese na qual a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, deverá assumir a execução e concluir o objeto do contrato garantido.
Os três exemplos referidos não esgotam as inúmeras possibilidades do Seguro Garantia. Entretanto, são suficientes para demonstrar a relevância dessa operação securitária para as atividades econômicas e para as relações negociais tanto do setor privado quanto do público. Nesse sentido, é importante compreender as diretrizes gerais da nova Circular da SUSEP e destacar algumas diferenças dela em relação à Circular SUSEP nº 477/2013.
A minuta que deu origem à Circular recentemente aprovada foi proposta com o objetivo de prosseguir com o amadurecimento do mercado de Seguros Garantia, de fomentar o desenvolvimento de novos clausulados, de valorizar a liberdade contratual e de eliminar ou reduzir assimetrias de informação entre seguradoras e segurados. Nessa linha, a nova normativa buscou (i) conferir maior transparência às operações de Seguro Garantia, de sorte a fortalecer a confiança do segurado, (ii) simplificar e tornar mais claro o regramento sobre o tema, mitigando, assim, o risco de atrito na operação de seguro, e (iii) evitar um viés prescritivo, viabilizando, assim, o desenvolvimento de novos produtos, mais adaptados às necessidades de cada segurado.
Nos sete anos de vigência da Circular SUSEP nº 477/2013, as áreas técnicas da SUSEP envolvidas com o tema identificaram práticas de mercado que ocasionaram discussões judiciais e administrativas, com prejuízo à confiança no Seguro Garantia. A principal razão para isso foi o estabelecimento condições contratuais padronizadas, nos termos dos anexos I e II da Circular de 2013. Embora a normativa revogada não excluísse em absoluto a liberdade das seguradoras de introduzirem alterações nas condições padronizadas ou de estabelecerem condições não padronizadas, prevalecia na Diretiva o viés prescritivo. Na prática, portanto, era comum a utilização de textos padronizados com pequenas alterações que, em verdade, acabavam por subverter a lógica das condições padronizadas, ensejando dúvidas e incertezas, em prejuízo à confiança dos segurados, quando o preferível seria a submissão de um novo produto, não padronizado.
Nesse contexto, um dos principais escopos da nova normativa consiste em incentivar as sociedades seguradoras a observarem com mais atenção os seus clausulados, não se atrelando a padrões normativos e inovando no oferecimento de modalidades de Seguro Garantia. É importante registrar que a exclusão de condições contratuais padronizadas não é uma particularidade da nova Circular. Desde 2019 a SUSEP segue uma diretriz pautada na flexibilidade e na intervenção mínima, visando fomentar a concorrência, a inovação e o desenvolvimento do mercado de seguros privados. Se as condições padronizadas eram necessárias no início da formação do mercado de seguros, o amadurecimento do mercado brasileiro e a sua internacionalização recomendam um viés principiológico que se afaste do modelo regulatório baseado em condições ditadas pelo órgão regulador. Assim, evitam-se confusões de nomenclatura de produtos e as seguradoras são incentivadas a usarem textos próprios nos clausulados, mais adaptados e adequados às necessidades de seus segurados.
Além dessa alteração de perspectiva, são inúmeras as inovações introduzidas pela Circular SUSEP nº 622/2022, notadamente com o fim de tornarem mais claros e transparentes os clausulados, reduzindo, assim, as assimetrias informacionais. Para ficar com um único exemplo, cite-se a previsão do artigo 27, segundo a qual “deverão constar em cada modalidade [do Seguro Garantia] as cláusulas e definições específicas, de acordo com as características e legislação específica do objeto principal…”, sendo “responsabilidade da seguradora a confecção e o desenvolvimento de clausulados específicos de cada modalidade, de acordo com as características e a legislação específica do objeto principal e da obrigação garantida e/ou de acordo com o modelo de clausulado exigido pelo segurado”. A exigência de adaptação das regras gerais do seguro às particularidades da obrigação garantida é uma consequência da rejeição da padronização antes vigente. A dissociação, em concreto, entre as condições padronizadas e as especificidades do objeto principal é um dos principais problemas práticos do Seguro Garantia. A título ilustrativo, nos Seguros Garantia relativos a contratos públicos são frequentes discussões administrativas ou judiciais decorrentes em última instância da ausência de uma clara relação das condições gerais do seguro com as regras e os ritos que regem a celebração e a execução de contratos com a Administração Pública.
Nesse cenário, a recente normativa destaca a importância de os envolvidos (seguradora, segurado e tomador) estarem atentos às particularidades do objeto principal. Esse e outros aspectos indicam novos horizontes para o Seguro Garantia no mercado brasileiro. Conquanto os seus dispositivos ainda mereçam uma cuidadosa análise, são acertadas as diretrizes gerais da nova Circular sobre o tema. Resta saber como elas repercutirão nos clausulados dos novos contratos de Seguro Garantia.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Atuação em Responsabilidade Civil e Seguros. Professor Adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina. Área: […]
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