05 | 04 | 2019
A newsletter Ponto de Vista ouviu especialistas e empresários sobre o impacto no universo dos negócios com a legislação que entrará em vigor em agosto de 2020.
Num universo cada vez mais conduzido por dados, onde solicitar transporte privado urbano, comprar remédios, pedir comida, consumir músicas e filmes, procurar vagas de estacionamento são algumas das ações naturalmente realizadas através de aplicativos que facilitam a vida cotidiana, uma nova realidade vai sendo moldada. Acontece que para se usar essas facilidades automatizadas sempre é solicitado o preenchimento de um cadastro ou a vinculação a alguma rede social, em outras palavras, informações são compartilhadas com os aplicativos. Esse conjunto de referências pessoais, quando cruzado, traça um perfil exato do consumidor, que passa a ser muito significativo e aproveitado para uma série de situações. O valor desses dados se transforma em ativo inestimável para empresas e transações.
Para regularizar o mercado, trazer transparência, garantir a privacidade e ao mesmo tempo incentivar o desenvolvimento tecnológico, os negócios no Brasil serão regidos pela Lei n. 13.709/2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Claramente inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados na União Europeia (GDPR) – visto como um regimento de vanguarda – a lei brasileira foi sancionada em agosto de 2018 e entrará em vigor em agosto de 2020, para que todos os setores se ajustem às novas normas e desenvolvam ferramentas de proteção invioláveis. Assim, o Brasil entra para o grupo de 128 países que já têm legislação sobre o tema.
“Algo bastante importante neste período de adaptação antes da entrada em vigor da LGPD, e com certeza um dos aspectos mais relevantes, é a conscientização voltada ao esclarecimento da valia dos dados pessoais. É necessária uma mudança da mentalidade das empresas e dos consumidores brasileiros, que precisam compreender que as suas informações são bastante preciosas. Hoje em dia é comum preenchermos o cadastro de um novo serviço ou de um novo aplicativo sem nos atentarmos ao que estamos divulgando e sem questionar a razão de compartilharmos tais informações. O mesmo se aplica às empresas, que muitas vezes requisitam diversos dados, sem saber para o que é que os utilizarão e sem se preocupar com o tratamento e armazenamento dessas informações. Atualmente é possível criar uma conta de banco, contratar serviços financeiros e contratar diversos tipos de serviços com apenas algumas informações, por esse motivo ter o devido cuidado com os dados é indispensável”, recomenda o advogado e professor João Henrique Orssatto, sócio da Menezes Niebuhr Advogados Associados.
A advogada e especialista no tema Gabriela Almeida chama a atenção para a conscientização da importância de dados na sociedade atual, sendo que ela deve estar atrelada ao conhecimento dos consumidores de seus direitos em relação a essas informações pessoais. “A nova legislação traz uma lista extensa de direitos que um indivíduo tem, como o de retificar esses dados, apagá-los, exigir acesso ou informações compiladas sobre o que cada empresa armazena relacionado a si, entre outros. Será necessário informar e educar a população em relação a esses novos direitos e as empresas no que tange ao respeito a essas prerrogativas”, explica Gabriela, que também é advogada associada da Menezes Niebuhr.
Equilíbrio nas relações
A empresária Silvia Folster, CEO da Cianet, considera que a maioria da população brasileira precisa realmente ser conscientizada do que são esses dados e para que eles servem. “Ainda é muito abstrato como todos esses streamings funcionam para a maioria das pessoas. E olha que o Brasil é um heavy-user, com a quarta maior presença on-line, com uma população que fica em média nove horas por dia conectada às redes”, realça, acentuando que os provedores de internet, que usam dados dos consumidores, precisam ter uma relação de transparência, de confiança, educando o brasileiro com relação ao uso de dados. “Se a informação está ao alcance de todos, que seja usada de maneira permissiva e consciente”, sentencia Silvia Folster.
Apesar disso, o cenário é otimista. A regulamentação tem sido vista com bons olhos por muitos dos profissionais que já estão inseridos nesse mercado. “Eu apoio, promovo e amplifico este movimento. E sonho com um mercado diverso e maduro onde as forças do consumidor, varejistas e atacadistas, fornecedores tecnológicos, governo, justiça, legisladores e entidades empresariais consigam encontrar sempre o melhor equilíbrio nas relações”, comenta o empresário Cristiano Chaussard, presidente de ABComm/SC (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico em Santa Catarina).
“O Brasil torna-se capaz de promover o tratamento dos dados em um nível de proteção adequado preenchendo todos os requisitos para se posicionar e ser reconhecido internacionalmente. Isso impulsionará nossos setores de tecnologia da informação e fomentará a atração de investimentos externos para o país”, assegura Jaime de Paula, fundador e CEO da Neoway Business Solutions.
Segurança jurídica para a sociedade
Jaime de Paula lembra que a LGPD se aplica à operação de tratamento de dados, independentemente do meio. Portanto, todos os setores, públicos ou privados, estão sujeitos e devem se adequar ao novo contexto regulatório para o tratamento dos dados tanto no âmbito on-line quanto off-line. “A lei confere maior segurança jurídica a uma sociedade cada vez mais movida a dados, o que incentiva o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação por meio de regras claras, transparentes e harmônicas, preservando a proteção de dados pessoais dos cidadãos”, explica.
Representando um grupo de empresários diretamente envolvidos no assunto, Chaussard acredita que tudo o que traz mais segurança para a relação de consumo ajuda o mercado a amadurecer. Ele diz que o e-commerce é uma inovação que extrapola divisas e idiomas. “A internet é a mesma para todo o mundo e isso viabilizou a compra sem fronteiras. O que impacta diretamente nas relações políticas e nas legislações que precisarão ser mais globais. O que muito me orgulha na movimentação da proteção de dados é que, de fato, o texto escrito na Espanha para a Regulamentação da União Europeia foi amplamente adotado pelo mundo como modelo em cada país”, comenta.
“A LGPD, lei brasileira, ao se inspirar no GDPR, regulamento europeu, trouxe consigo uma consequência relevante, pois ao se adaptarem à LGPD, as empresas brasileiras também estarão se adequando em grande parte à normativa europeia, facilitando a adaptação para venda dos seus produtos e serviços para os cidadãos europeus. Portanto, podemos afirmar que o comércio digital brasileiro dá um grande passo para o seu amadurecimento e consolidação como um mercado internacionalmente relevante e atrativo”, avalia o advogado João Henrique Orssatto.
O que vem por aí
Amplamente discutida por conta do seu teor, especialmente em função da proteção de dados pessoais, a Lei n. 13.709/2018 surge para organizar o mercado e garantir segurança jurídica. Contudo, explica a advogada Gabriela Almeida, a nova legislação vai demandar grandes esforços de mudança por partes dos negócios que deverão adaptar seus procedimentos e atuação. Todo e qualquer dado precisará do consentimento de forma clara sobre quais informações e qual o interesse legítimo, e as empresas que armazenarem esses dados se responsabilizarão por isso, assumindo direitos e deveres. Também estarão sujeitas a punições e multas consideráveis em caso de descumprimento – que variam de 2% do faturamento anual, até 50 milhões, valor limite.
Pedir CPF sem especificar a finalidade, por exemplo, passa a ser proibido. O cliente deverá estar ciente do destino dos seus dados – qual o propósito, onde estarão armazenados, por quanto tempo estarão disponíveis e para onde irão. Se a finalidade mudar, nova autorização precisa ser solicitada. E se o consumidor não quiser mais disponibilizar os dados, o consentimento pode ser revogado. Em contrapartida, se resolver trocar de provedor de internet terá o direito de pedir a portabilidade da sua caixa de e-mail. É o marketing de permissão, menos invasivo e mais prudente.
Novas regras fortalecem compliance
É claro que as adaptações vão exigir um fortalecimento das regras de compliance, do conjunto de regras a serem cumpridas com relação à proteção dos dados pessoais, dos procedimentos de identificação e diferenciação entre os dados sensíveis (aqueles que identificam informações de comportamento, opinião política, hábitos de consumo, fatores biométricos, entre outros) e os dados “anonimizados” (que não identifica a pessoa, mas o grupo ao qual ela se insere). A fiscalização será feita pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, criada através de Medida Provisória (n. 869/2018), editada em dezembro pelo Governo Federal. Seu propósito é de supervisionar e aplicar sanções quando observados casos de descumprimento da lei, entre outras determinações, gerando mais segurança jurídica.
Com a chegada da Lei n. 13.709/2018, as empresas precisam promover a adaptação dos seus códigos de conduta e procedimentos internos. Segundo a advogada e sócia da Menezes Niebuhr, Fernanda Schramm, “o programa de compliance, de uma forma geral, precisa ser revisado e atualizado para se adaptar às novas exigências legislativas. É de todo recomendado que as empresas destaquem um profissional responsável por garantir a comunicação entre os titulares dos dados, a empresa e, inclusive, a futura autoridade nacional. Além disso, o monitoramento dos dados, a revisão das políticas de acesso à informação e as cláusulas inseridas nos contratos com terceiros devem ser priorizados na agenda de compliance, inclusive para evitar a responsabilização solidária da empresa”.
Para João Henrique Orssatto não basta que as empresas apenas criem documentos e mecanismos formais para se adequarem à LGPD. “É de suma importância que elas treinem e atualizem os seus funcionários em como lidar com essas informações, para que estes não cometam equívocos no dia a dia e não comprometam a segurança dos dados pessoais. As próprias empresas também precisam compreender o seu negócio no mundo digital, a fim de determinar quais informações são realmente importantes para o exercício das suas atividades e assim evitar investimentos desnecessários em estruturas e mecanismos para armazenamento de dados”, orienta o advogado.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Comunicação Menezes NIebuhr
Deixe seu comentário
Ao publicar um comentário, você concorda automaticamente com nossa política de privacidade.
Deixe um comentário