11 | 10 | 2019
Urgente e audaciosa, a revisão do sistema tributário brasileiro é pauta prioritária para a melhora da situação econômica do País e incita cautela em meio às propostas que estão em debate no Senado e no Congresso Federal. Nessa reportagem especial da Ponto de Vista, descubra o que pensam representantes de importantes entidades do setor produtivo catarinense e entenda a relevância dos principais pontos em jogo sob a ótica de especialistas no assunto.
Um dos grandes temas que tem ocupado a pauta do Congresso e o imaginário dos empresários é a reforma tributária. Eleita por grande parte da sociedade como um necessário remédio para melhorar a situação econômica do País, o tema parece ter alcançado seu ápice em termos de relevância no debate nacional.
Entre muitas controvérsias em torno do assunto, há quase que um consenso quanto ao grave quadro de insegurança jurídica no País em relação às regras tributárias – consenso este que tem impulsionado o debate em torno das propostas colocadas à mesa de discussão. A ausência de segurança jurídica, afinal, diminui a produtividade do setor privado, afasta os particulares do empreendedorismo e a atração de investimentos externos diretos, tudo isso influenciando de forma negativa e severa a situação econômica do Brasil.
Para o advogado tributarista Ricardo Anderle, esse quadro é composto por diversos pontos problemáticos, entre eles, conflitos de competência entre entes da federação sobre fatos geradores limítrofes; guerra fiscal, com a concessão unilateral de incentivos de ICMS por entes estaduais sem a observância à exigência de aprovação unânime pelo CONFAZ; inflação legislativa, em grande parte ocasionada pela injustificada criação de regras excepcionais para determinados setores econômicos; excesso de litigiosidade; sobreposição de tributos sobre mesmas bases econômicas; elevado custo de conformidade à legislação tributária, sendo o Brasil o País em que as empresas mais gastam horas, no mundo, para declararem os seus tributos.
Existem cinco propostas em debate no presente momento. Em linhas gerais, visam todas à significativa simplificação do sistema tributário, mediante a unificação ou extinção de tributos, a redução do número de alíquotas e a ampliação das bases de incidência.
As propostas mais avançadas são as da Câmara de Deputados e do Senado Federal. A principal diferença entre elas é que, enquanto a Câmara de Deputados propõe a unificação de cinco tributos – IPI, PIS, COFINS, ICMS e ISS – para formação do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), já a iniciativa do Senado propõe o modelo do IBS dual, sendo o da União formado pelo IPI, PIS/PASEP, COFINS, IOF, Salário Educação, ao passo que o IBS dos estados e dos municípios unificaria o ISS e o ICMS. A proposta dos estados é bem semelhante à da Câmara dos Deputados, com a principal diferença de que a União não participaria da administração da arrecadação, competindo aos estados e municípios administrar o tributo cobrado.
Correm por fora, nessa disputa, a proposta do Instituto Brasil 200 e do Governo Federal. Ambas trabalham com a ideia de simplificação tributária com base no imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da CPMF, de incidência cumulativa. A proposta do Governo Federal também visa à reformulação do Imposto de Renda, reduzindo-se as suas alíquotas máximas e incorporando a CSLL ao IRPJ.
O presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), Mario Cezar de Aguiar, afirma que a carga tributária elevada tira a competitividade da produção nacional. Para ele, esta é uma das reformas mais difíceis e os projetos precisam ser avaliados com muito cuidado, porque afetam a receita da União e dos estados. “Em Santa Catarina, os empresários foram às ruas contra a CPMF. Imposto em cascata não combina com estímulo à atividade econômica, com justiça social e nem com competitividade”, declara.
Marcos Lichtblau, vice-presidente de Finanças da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), compartilha da percepção de um processo que se arrasta, gera ansiedade e apreensão. “Não podemos ficar com o sistema anacrônico que temos atualmente. Já perdemos muitas oportunidades de reformá-lo e as propostas são diversas, fruto do trabalho de profundos conhecedores do assunto. O período de transição será de grande importância, pois é nele que será realizada a calibragem da alíquota do IBS”, ressalta o economista da ACATE.
“A reforma tributária é discutida no País há décadas e, entretanto, são tantas as propostas que fica difícil imaginar qual delas deve prosperar”, comenta o presidente da Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Santa Catarina (FHORESC), Estanislau Emílio Bresolin. Segundo o empresário, o que mais dificulta a pacificação de entendimentos é o emaranhado de legislações e, por essa razão, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e os Tribunais Regionais Tributários têm uma infinidade de processos de imposição de notificações fiscais contraditórias.
Mas, segundo Ricardo Anderle, nem tudo é negativo. “Há de se reconhecer que nosso sistema tributário é eficiente em muitos aspectos. Temos um arcabouço legislativo engenhoso, que permite às mudanças legislativas serem rapidamente implementadas pela Administração Tributária. Temos, também, um sistema de fiscalização satisfatoriamente funcional, e cada dia parece tornar-se a opção pela sonegação menos atrativa aos contribuintes”, explica.
Divergências ameaçam unificação de tributos
Como a Constituição Federal determina que não podem ser objeto de emenda constitucional as propostas tendentes a abolir o pacto federativo nacional, não são poucos os juristas que entendem que o sistema constitucional estabelece um entrave intransponível à iniciativa de unificação de tributos pertencentes a diferentes entes federativos. Consideram que a prerrogativa de autonomia financeira estaria irremediavelmente violada com a alteração das regras de competências tributárias, já que os entes estaduais e municipais, nesse novo modelo, não mais teriam a condição de disciplinarem as próprias regras de arrecadação tributária.
Ricardo Anderle ressalta que a alteração das competências tributárias não necessariamente caracteriza violação ao pacto federativo. “O Brasil é o País mais federalista do mundo em termos fiscais, ao mesmo tempo em que os municípios e estados carecem de recursos financeiros. Não há uma relação indissociável entre competência tributária e autonomia financeira. Entendo que é possível, sim, separarmos o federalismo fiscal do federalismo político, desde que seja mantido o volume de recursos financeiros atualmente garantidos pelo exercício da competência tributária mediante reajuste na regra de repasse dos recursos da arrecadação, e desde que os repasses sejam incondicionais e imediatos”.
O advogado tributarista Carlos Crippa Júnior, concordando com a possibilidade de alteração das regras de competência tributária, observa uma questão sensível nessa discussão. “Não é salutar admitir-se a imutabilidade da Constituição Federal, a ponto de não se poder alterar as competências tributárias mediante emendas constitucionais, a menos que pretendamos flertar com a concreta possibilidade de rompimento do sistema constitucional a médio prazo. Não há ordem constitucional que resista à tamanha inflexibilidade diante de novas demandas impostas pela própria realidade nacional”.
Um aspecto que preocupa os contribuintes é a possibilidade de aumento da carga tributária para determinados setores. Se a ideia é diminuir o número de diferentes alíquotas hoje praticadas, é de se esperar que algumas categorias de contribuintes sejam beneficiadas com a diminuição das alíquotas, ao passo que outras sejam prejudicadas com a majoração – o que pode ocasionar uma repentina turbulência nas margens de lucros e nos preços praticados pelo setor produtivo.
Para o presidente da Fecomércio SC, Bruno Breithaupt, a criação de um imposto sobre valor agregado (IVA) vai ao encontro da política de simplificação e unificação tributária. Porém, talvez seja necessário trabalhar para que a alíquota não cause elevação da carga tributária, bem como assegurar que o período de transição não seja responsável por aumento da burocracia.
Luz no fim do túnel?
As dificuldades técnicas e políticas para implementação da reforma sem afetar o nível global de arrecadação e sem ocasionar repentina elevação na carga tributária para determinados setores pode sugerir ser inviável qualquer reforma tributária de ampla relevância.
Considerando o desafio, Ricardo Anderle observa que qualquer reforma tributária estrutural trará, em seus primeiros dias, certo grau de agitação e incertezas. “É plenamente compreensível a resistência de parcela da sociedade quanto à reforma tributária, diante das incertezas que as mudanças nas regras tributárias acarretarão inicialmente. Considero que a mente humana é habilmente capaz de compor sistemas complexos de regras, porém é bem menos hábil em prever como essa complexidade irá afetar a realidade”, explica.
A reforma tributária, por isso, deve ser audaciosa quanto ao seu objetivo final, ao passo que deve ser cautelosa quanto à velocidade da imposição das mudanças. “A opção pela mudança gradativa nas regras tributárias e pelo modelo do IBS dual, em que primeiramente o PIS/COFINS seria unificado com IPI e IOF, para posteriormente o ISS ser unificado com o ICMS, parece ser uma medida muito salutar”, finaliza Anderle.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Comunicação Menezes NIebuhr
Deixe seu comentário
Ao publicar um comentário, você concorda automaticamente com nossa política de privacidade.
Deixe um comentário