18 | 12 | 2024
A atividade das securitizadoras de direitos creditórios vem ganhando destaque no cenário econômico e jurídico brasileiro, desempenhando um papel estratégico na estruturação financeira de diversas empresas. Contudo, as repercussões jurídicas dessas operações ainda são objeto de intensos debates judiciais, especialmente no que diz respeito à possibilidade de regresso contra o cedente em casos de inadimplência dos sacados.
Recentemente, duas decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) estabeleceram precedentes importantes sobre a legalidade da cláusula de recompra em contratos de cessão de crédito, incluindo discussões sobre os “créditos a performar”. Em ambos os casos, as deliberações giraram em torno da responsabilidade dos cedentes e da legitimidade das securitizadoras ao cobrar créditos inadimplidos pelos sacados.
Na primeira decisão, referente à Apelação nº 0310875-52.2016.8.24.0033, tratava-se da cobrança de créditos que ainda não haviam sido efetivamente performados, um cenário comum nas operações de securitização. A sentença de primeira instância foi desfavorável à securitizadora, sob a alegação de que a empresa não havia anexado as duplicatas da operação realizada, evidenciando uma compreensão limitada sobre o conceito de crédito a performar e desconsiderando a confissão de dívida firmada.
O Tribunal, contudo, reformou a decisão ao reconhecer a desnecessidade de apresentação das duplicatas comerciais, já que o instrumento de dívida por si só exprime certeza, liquidez e exigibilidade, consoante art. 784, III, CPC/2015, constituindo de pleno direito em mora o devedor.
Ainda mais relevante e expressamente consignado no acórdão foi o reconhecimento do direito de regresso contra os cedentes e responsáveis solidários:
“Por se tratar de contrato de securitização, é plenamente válida a previsão da cláusula de recompra, sobretudo por força da previsão contratual, na qual o cedente e os responsáveis solidários se responsabilizaram pela solvência do devedor, nos termos do art. 296 do Código Civil”.
No segundo caso, Apelação nº 0300630-17.2017.8.24.0010, o foco recaiu sobre a validade da cláusula de recompra. Esse mecanismo contratual é fundamental para a segurança dos investidores, pois permite à cessionária acionar o cedente em caso de inadimplência, sem que isso seja considerado ilegal ou abuso de direito. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina também reafirmou a legalidade dessa cláusula, destacando o artigo 296 do Código Civil, que dispõe sobre a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, se ajustada contratualmente.
Esse entendimento é crucial, pois afasta a interpretação de que a inadimplência do sacado é um risco que deve ser integralmente suportado pela securitizadora. Diferentemente das operações de factoring, em que o risco de inadimplemento é inerente, as securitizadoras podem — e devem — pactuar a cláusula de recompra, responsabilizando o cedente pela solvência dos créditos cedidos. Isso garante que, em caso de inadimplência, a securitizadora possa buscar a devida reparação junto ao cedente, sem comprometer a eficácia da cessão de crédito e, principalmente, o patrimônio do investidor.
A decisão também consolidou o entendimento de que a atividade de securitização é uma prática válida e legalmente amparada, afastando alegações de que a inclusão da cláusula de recompra tornaria o contrato nulo ou caracterizaria a atuação como instituição financeira. O Tribunal estabeleceu uma distinção clara entre securitização e operações de fomento mercantil, reafirmando que a cessão de créditos pelas securitizadoras segue as regras previstas nos artigos 286 a 298 do Código Civil, conferindo total legitimidade às cláusulas pactuadas entre as partes.
Esses julgados representam um avanço significativo para o tema, especialmente em um ambiente onde ainda se questiona a validade das operações das securitizadoras. A reafirmação da validade da cláusula de recompra e o reconhecimento das particularidades dos créditos a performar são essenciais para garantir a segurança e a previsibilidade de que essas empresas necessitam para operar.
Além disso, tais decisões criam precedentes valiosos para outras jurisdições, fortalecendo a autonomia contratual e respeitando as peculiaridades da securitização.
Com esses avanços jurisprudenciais, constrói-se um ambiente jurídico mais estável e confiável para as securitizadoras, assegurando que continuem desempenhando seu papel essencial na economia, sem suportar indevidamente os riscos que, por contrato, foram alocados ao cedente. Espera-se, assim, que o setor siga fortalecido, atuando com maior segurança e previsibilidade em suas operações de crédito, contribuindo para a liquidez e dinamização do mercado financeiro.
O artigo foi publicado no dia 13 de dezembro de 2024 no portal JusCatarina.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]
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