17 | 01 | 2024

Lei 14.790/23 e o novo Anexo X do Conar: publicidade do serviço de apostas

O mercado brasileiro foi invadido pelos operadores de apostas esportivas. Seja lá qual o fornecedor que preste o serviço, é altíssima a chance de você ter entrado em contato com publicidade relacionada a essa espécie de serviço enquanto assistia à televisão ou navegava pelas redes sociais.

Essas casas de aposta investiram muito na publicidade, tanto por meio da confecção de peças com a participação de atletas e celebridades, quanto pela contratação de influenciadores digitais, tudo na intenção de atingir o maior público possível. O mercado brasileiro, aficionado por futebol e demais práticas esportivas, é um alvo ideal para esse serviço.

Não há como esquecer, no entanto, que se trata de jogo e aposta e, dessa forma, sempre se fez necessária cautela na forma com que se realizaria a publicidade do serviço. O país carecia de regulação específica da atividade e, para esse fim, foi sancionada no fim de 2023 a Lei nº 14.790.

O novo ato normativo trouxe diversas regras e, entre elas, estão também diretrizes para a atividade publicitária do setor. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) aproveitou o ensejo da sanção da nova lei e publicou um anexo ao seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) com foco nas apostas.

A título informativo, o Conar é uma organização não governamental (ONG) que busca a autorregulamentação do setor publicitário, haja vista ser do interesse de todos os envolvidos, inclusive dos anunciantes, manter o ambiente publicitário brasileiro ético e íntegro, evitando práticas abusivas ou enganosas.

O Anexo X, de que tratamos, foi publicado após a sanção presidencial à Lei nº 14.790/2023, que regulamentou as apostas de quota fixa no Brasil. A própria legislação em questão já trouxe normas no que toca à publicidade dos agentes operadores de apostas, nos termos dos artigos 16, 17 e 18 do novo diploma legal — o caput do artigo 16, inclusive, dispõe que é incentivada a autorregulamentação publicitária.

Algumas das regras já instituídas pela legislação constam também do Anexo X, como a impossibilidade de veicular publicidade do setor direcionada a crianças e adolescentes, de apresentar afirmações infundadas sobre as possibilidades de êxito e de anunciar o serviço como forma de complementação da renda ou investimento financeiro.

O Conar apresenta como “regra geral” uma espécie de princípio que deve reger a atividade publicitária do setor: a estruturação das peças de maneira socialmente responsável. Dessa maneira, estão vedados os estímulos ao exagero ou à irresponsabilidade na prática da aposta e deverão ser protegidos crianças, adolescentes e grupos em situação de vulnerabilidade.

Após, apresenta quatro princípios e uma cláusula de advertência, todos de grande importância para aqueles que atuam no setor.

O “princípio da identificação publicitária” está em consonância com o que já está previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), haja vista a proibição à publicidade clandestina. A natureza comercial precisa estar clara de imediato, de maneira adequada e precisa, em toda e qualquer forma de anúncio a ser veiculado.

Segundo o Conar, as publicidades devem indicar: o anunciante responsável pela mensagem; a identificação da autorização/licença para operação da casa de aposta; e dados de contato e canal de atendimento ao consumidor.

É manifesta a importância do estabelecimento de tais diretrizes, principalmente à luz dos casos já verificados nos últimos tempos, nos quais o consumidor fica impossibilitado de retirar seu prêmio auferido com a aposta.

Após, elenca-se o “princípio da veracidade e informação”, segundo o qual “as publicidades devem conter apresentação verdadeira do serviço ofertado”. Há repetição de elementos já verificados na Lei nº 14.790/2023, como é o caso da proibição da divulgação de resultados certos ou informações enganosas e irrealistas (afirmações infundadas sobre as probabilidades de ganhar) e da indução ao pensamento de que a participação poderá levar ao enriquecimento (apresentação da aposta como socialmente atraente).

O “princípio da proteção a crianças e adolescentes” dá conta justamente de impedir que sejam veiculadas peças publicitárias que tenham esse público como alvo — e não poderia ser diferente, haja visto que a Lei nº 14.790/2023 impede que sejam apostadores os menores de 18 anos.

Assim, os anúncios deverão conter um símbolo “18+” ou aviso similar e, se contarem com atores ou celebridades, todas deverão ter e aparentar idade superior a 21 anos. Outrossim, os perfis e portais eletrônicos do anunciante deverão contar com restrição de idade.

Sensível regra foi adotada pelo Conar ao determinar que, em redes sociais, os anunciantes somente poderão utilizar canais, perfis ou influenciadores que tenham adultos como seu público-alvo, justamente para evitar que influencers que tenham crianças e adolescentes como alvo façam publicidade para casas de apostas.

O “princípio de responsabilidade social e jogo responsável” aborda importante questão que circunda os anúncios de apostas no Brasil: a venda desse serviço como investimento financeiro ou renda extra. O assunto já fervilhou em debates recentes a respeito dos anúncios de tais fornecedores e da vinculação da atividade a eventual investimento ou forma de obtenção de renda a partir da utilização do jogo.

Nota-se que a legislação já destaca a proibição da veiculação de anúncios que “sugiram ou deem margem para que se entenda que a aposta pode constituir alternativa ao emprego, solução para problemas financeiros, fonte de renda adicional ou forma de investimento financeiro”, justamente para impedir que o serviço seja vendido dessa maneira ao consumidor brasileiro.

É possível perceber que todas as proibições e regras acima explicitadas, contidas tanto no novo ato normativo como no Anexo X, já estariam abarcadas pelas regras de publicidade contidas no CDC, principalmente no que toca à proibição da publicidade clandestina, falsa, enganosa ou abusiva (artigos 36 e 37 do CDC). No entanto, é de grande valia a edição de normas específicas, reduzindo o espaço interpretativo a partir da necessidade de observação dessas diretrizes.

Por fim, o Anexo X traz a necessidade de que todas as publicidades incluam uma mensagem de alerta padronizada, de forma legível, ostensiva e destacada, podendo ser escolhida uma dentre diversas frases sugeridas, tais quais “jogue com responsabilidade”, “apostar pode levar à perda de dinheiro” e “aposta não é investimento”.

A instituição dessas normas, muito importantes para sanear e garantir segurança jurídica ao setor de apostas por quota fixa no País, traz também a necessidade de atualização e observação próxima por parte desses fornecedores e daqueles que com eles firmarem contratos publicitários — haja visto que influenciadores digitais, por exemplo, podem vir a ser equiparados a fornecedores, consoante a verificação de determinadas condições[1].

O desrespeito às regras legais, várias das quais estão também no novo anexo ao Conar, poderá acarretar as penalidades previstas no artigo 41 da Lei nº 14.790/2023, entre as quais estão multa de 0,1% a 20% do produto da arrecadação, para o caso de pessoas jurídicas, e no valor mínimo de R$ 50 mil por infração para pessoas físicas. Além disso, também estão previstas como penalidades a suspensão da atividade e a cassação da autorização para explorar a atividade no Brasil.

Conforme bem exposto, o setor estava carente de legislação específica em diversos sentidos. A questão da publicidade é sensível e deve ser tratada com o devido cuidado, justamente para garantir o direito dos consumidores. Cabe aos operadores das casas de aposta, portanto, a conformidade em relação ao que foi determinado, adotando postura responsável quando do exercício de sua atividade, sob pena da imposição das penalidades previstas em lei e do surgimento do dever de indenizar, se verificadas as condicionantes para tal.


[1] Sobre a questão, conferir: https://www.conjur.com.br/2023-out-25/vitor-esmanhotto-responsabilidade-civil-influenciador-digital

Artigo publicado no portal Conjur em 17 de janeiro de 2024.

Por

Michel Scaff Junior

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]

Michel Scaff - Menezes Niebuhr

Por

Vitor Esmanhotto da Silva

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Pós-graduado em Relações de Consumo e Compliance nos Mercados pela PUC/PR. Membro da Comissão de […]

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