10 | 01 | 2024

A controvérsia envolvendo o creditamento de PIS e COFINS sobre o ICMS-ST

O objetivo do texto de hoje é contextualizar a controvérsia sobre o creditamento do PIS e COFINS sobre o ICMS-ST. Primeiramente, é importante ter em mente que a Constituição Federal, no § 12 do art. 195[1], concedeu competência ao legislador nacional para a instituições de contribuições sociais não-cumulativas, deixando a cargo da legislação a definição da técnica e dos setores a da atividade econômica abrangidos pelo regime.

A disciplina de regência da não cumulatividade consta das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, que estabeleceram, em linhas muito gerais, a técnica de base por base, em que deve o contribuinte, após a aplicação de alíquotas sobre uma base geradora de créditos e outra geradora de débitos, realizar o encontro dos resultados para apuração dos valores a recolher a título dessas contribuições.

A base de cálculo dos débitos e dos créditos é definida nesta mesma lei. A regra geral de creditamento consta do art. 3º:

Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:  

I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

[…]

§ 2o Não dará direito a crédito o valor:       

[…]

II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição, inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela contribuição; e (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.159, de 2023)

[…]

§ 3º O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:

II – aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domiciliada no País; (grifos acrescidos)

Se bem observarmos o que diz a legislação, veremos que, no cômputo das contribuições, a base de cálculo dos créditos considera o valor integral dos dispêndios (incs. II dos §§ 3º) incorridos para aquisição de bens destinados à revenda (incs. I dos caputs), desde que esses bens resultem em receita sujeita ao pagamento das contribuições (incs. II dos §§ 2º).

Veja-se que o direito de crédito das contribuições comporta os “custos e despesas incorridos”. Neste aspecto, os incs. II dos §§ 3º dos arts. 3º das mencionadas Leis não deixam dúvidas que, não apenas o valor nominal dos bens destinados à revenda, mas outros ônus incorridos na operação de aquisição compõem a base de cálculo dos créditos.

E aqui reside a controvérsia entre o Fisco e o contribuinte. O conceito de custos está definido pelo art. 13 do Decreto n. 1.598/1977 e art. 301, § 1º do Decreto 9.580/2018 (RIR) e compreende as despesas com transporte e seguro pagos pelo adquirente e, caso irrecuperáveis, também os tributos incidentes na operação:

Decreto n. 1.598/1977

Art. 13 – O custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou importação. (grifos acrescidos)

Decreto n. 9.580/2018 (RIR)

Art. 301. O custo das mercadorias revendidas e das matérias-primas utilizadas será determinado com base em registro permanente de estoques ou no valor dos estoques existentes, de acordo com o livro de inventário, no fim do período de apuração (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 14 ).

§ 1º O custo de aquisição de mercadorias destinadas à revenda compreenderá os de transporte e seguro até o estabelecimento do contribuinte e os tributos devidos na aquisição ou na importação (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 13). (grifos acrescidos)

Socorrendo da disciplina contábil sobre os bens destinados à revenda[2], o Pronunciamento Técnico CPC 16 (R1), estabelece, em seu item 11, que “o custo de aquisição dos estoques compreende o preço de compra, os impostos de importação e outros tributos (exceto os recuperáveis junto ao fisco), bem como os custos de transporte, seguro, manuseio e outros diretamente atribuíveis à aquisição de produtos acabados, materiais e serviços”.

Nesse panorama, o ICMS-ST comparece como um desses tributos componentes do custo de aquisição, porquanto não recuperável por meio da escrita fiscal do adquirente das mercadorias.

Na técnica de substituição tributária, o contribuinte situado na etapa antecedente da cadeia econômica (o “substituto”) fica com a responsabilidade de recolher antecipadamente o ICMS devido na operação futura. Assim, na aquisição de mercadorias destinadas à revenda, o substituído suporta o valor da mercadoria e o ICMS-ST recolhido pelo substituto.

Em termos práticos, como não há nova incidência na operação do substituído, dada a antecipação, o imposto estadual torna-se irrecuperável – especialmente se estivermos a tratar de optantes dos regimes optativos [3] – e, dessa forma, integra o custo de aquisição delimitado pelo art. 13 do Decreto n. 1.598/1977 e pelo art. 301, § 1º do Decreto 9.580/2018 (RIR), motivo pelo qual deveria compor a base de cálculo dos créditos das contribuições.

Esse, porém, não é o entendimento da Administração Tributária. Na interpretação fazendária, o fato de o valor correspondente ao ICMS-ST não compor a base de cálculo do PIS e da COFINS apurado pelo vendedor, substituto tributário (arts. 1º, §§ 1º das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, art. 12, § 4o, do Decreto-Lei n. 1598/1977 e art. 25, § 3º, inc. II da IN RFB 2121/2022[4]), implica em vedação à apropriação do crédito correspondente, por força do art. 3º, § 2º, inc. II, das Leis n. 10.637/2002 (PIS) e n. 10.833/2003 (COFINS). É o que consta no inc. I do art. 170 da IN RFB 2121/2022:

Art. 170. As parcelas do valor de aquisição dos itens não sujeitas ao pagamento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins não geram direito a crédito, tais como (Lei nº 10.637, de 2002art. 3º, § 2º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 37; e Lei nº 10.833, de 2003, art. 3º, § 2º, inciso II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004, art. 21; e Acórdão em Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 574.706):

I – o ICMS a que se refere o inciso II do § 3º do art. 25; (grifos acrescidos)

Repisa-se que as Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 admitem a apuração de crédito em relação aos bens destinados à revenda, assim compreendidos os custos do próprio produto (arts. 3º, incs. I), e os dispêndios incidentes para a operação de aquisição (arts. 3º, §§ 3º, incs. II), definidos pelo art. 13 do Decreto n. 1.598/1977 e pelo art. 301, §§ 1º e 3º do Decreto 9.580/2018 (RIR).

Em contrapartida, os incs. II dos §§ 2º do arts. 3º das mesmas leis vedam o creditamento nas hipóteses em que o valor dos referidos bens (e não uma parcela integrante do custo de aquisição) não estiver sujeito ao pagamento das contribuições.

A legislação veda o crédito nos casos em que os itens adquiridos não forem oferecidos à tributação pela contribuição para PIS e COFINS, sem estabelecer maiores restrições com relação aos elementos integrantes dos custos incorridos na aquisição de bens, mesmo que essa específica parcela não esteja diretamente onerada pelas contribuições.

A negativa constante nos incs. II dos §§ 2º dos arts. 3º das referidas leis se faz menção (em sua literalidade) aos bens e não aos componentes do custo de aquisição isoladamente, como deflagrado pela limitação imposta em âmbito regulamentar. E, por essa mesma razão, os demais créditos admitidos pelos arts. 3º dessas mesmas legislações, como energia elétrica e aluguéis (incs. III e IV [5]), não estão associados ao dispêndio tributário pretérito. O que se verifica, para fins tributários é se há, ou não, incidência das contribuições na cadeia anterior, mostrando-se descabida a decomposição do custo para fins apuração dos créditos.

É assim que o ICMS-ST assume a feição de custo de aquisição. Uma vez que o imposto estadual é antecipado, não se sabe se haverá nova incidência na venda efetuada pelo substituído, que emitirá a nota fiscal sem destaque do ICMS – se inexistir valor a ser complementado –, tornando o tributo estadual irrecuperável na escrita fiscal, critério adotado pela legislação para inclusão da despesa como custo de aquisição passível de cômputo no creditamento da contribuição para o PIS e COFINS.

Interessante notar que a própria Receita Federal reconhece o dispêndio como custo de aquisição para fins de apuração das despesas dedutíveis do IRPJ, conforme se detém de Solução de Consulta 60/2012:

O valor referente ao ICMS-Substituição tributária, retido pelo fornecedor do contribuinte substituído nos termos da legislação estadual, integra o custo de aquisição das respectivas mercadorias, visto que não é recuperável por este último, pelo que não pode ser contabilizado diretamente à conta de despesas tributárias, sob pena de redução indevida do lucro real correspondente ao período-base em que as citadas mercadorias não sejam vendidas. [6] (Grifos acrescidos)

Se, de um lado, o órgão determina a exclusão das despesas tributárias dedutíveis da base de cálculo do IRPJ, porque o imposto estadual apurado nesta modalidade integra o custo de aquisição, de outro, não poderia inadmitir a contabilização do ICMS-ST como parte do valor da aquisição para cômputo dos créditos da contribuição para PIS e COFINS.

O bom funcionamento do Direito pressupõe a não contradição. Logo, se o encargo do recolhimento do ICMS-ST é irrecuperável na escrita fiscal do substituído, a exação compõe o custo da mercadoria, seja qual for o viés (dedução IRPJ/creditamento das contribuições).

Nesse sentido, a Primeira Turma do STJ firmou entendimento de que o direito ao creditamento não está atrelado à incidência da contribuição para o PIS e COFINS sobre a parcela de ICMS-ST na operação de venda do substituto ao substituído. Reiteraram os Ministros que, sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre da repercussão econômica do recolhimento do ICMS-ST pelo substituto, que compõe custo da mercadoria. Cita-se a ementa de recente julgado da Primeira Turma do STJ:

[…] CONTRIBUIÇÃO AO PIS E COFINS. REGIME NÃO CUMULATIVO. APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DE ICMS-ST. CABIMENTO. CREDITAMENTO QUE INDEPENDE DA TRIBUTAÇÃO NA ETAPA ANTERIOR. CUSTO DE AQUISIÇÃO CONFIGURADO.

[…]

II – Sendo o fato gerador da substituição tributária prévio e definitivo, o direito ao crédito do substituído decorre, a rigor, da repercussão econômica do ônus gerado pelo recolhimento antecipado do ICMS-ST atribuído ao substituto, compondo, desse modo, o custo de aquisição da mercadoria adquirida pelo revendedor.

III – A repercussão econômica onerosa do recolhimento antecipado do ICMS-ST, pelo substituto, é assimilada pelo substituído imediato na cadeia quando da aquisição do bem, a quem, todavia, não será facultado gerar crédito na saída da mercadoria (venda), devendo emitir a nota fiscal sem destaque do imposto estadual, tornando o tributo, nesse contexto, irrecuperável na escrita fiscal, critério definidor adotado pela legislação de regência.

IV – O ICMS-ST constitui parte integrante do custo de aquisição da mercadoria e, por conseguinte, deve ser admitido na composição do montante de créditos a ser deduzido para apuração da Contribuição ao PIS e da Cofins, no regime não cumulativo.

V – À luz dos arts. 3º, I, das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003, independentemente da incidência das apontadas contribuições sobre o tributo estadual recolhido pelo substituto na etapa anterior, é cabível o aproveitamento de crédito. Precedentes da 1ª Turma. […][7] (grifos acrescidos)

Para encerrar nossas meditações sobre o creditamento de PIS e COFINS sobre o ICMS-ST, tem-se que, embora a matéria seja controversa, a melhor leitura sugere que é possível apurar os créditos de contribuição para o PIS e COFINS pela revendedora sobre os valores relativos ao ICMS-ST, pois compõem o custo de aquisição dos bens adquiridos para revenda.


[1] Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

[…] § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

[2] Itens 1 e 6 CPC 16(R1)

1. O objetivo deste Pronunciamento é estabelecer o tratamento contábil para os estoques. […]

6. Os seguintes termos são usados neste Pronunciamento, com os significados especificados: Estoques são ativos: (a) mantidos para venda no curso normal dos negócios; (b) em processo de produção para venda; ou (c) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou transformados no processo de produção ou na prestação de serviços. (grifos acrescidos)

[3] O aprofundamento sobre os regimes optativos não será feito no presente texto.

[4] Art. 25. Observado o disposto no art. 26, a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins é:

[…]

§ 3º Para efeito do disposto no caput não integram a base de cálculo das contribuições os valores referentes (Lei nº 10.637, de 2002, art. 1º, § 3º, inciso I; Lei nº 10.833, de 2003, art. 1º, § 3º, inciso I; e Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 12, com redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014, art. 2º):

[…]

II – ao Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário;

[5] Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

[…]

III – energia elétrica e energia térmica, inclusive sob a forma de vapor, consumidas nos estabelecimentos da pessoa jurídica;  (Redação dada pela Lei nº 11.488, de 2007)

IV – aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;

[6] Solução de Consulta n. 60/2012.

[7] STJ. AgInt no REsp n. 2.018.972/SC, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, j. 18.04.2023.

Artigo publicado no Blog DooTax, em 4 de dezembro de 2023.

Por

Rodrigo Schwartz

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, Especialista em […]

Rodrigo Schwartz Holanda - Menezes Niebuhr

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