25 | 04 | 2023
A necessidade de atuação das empresas em conformidade com a legislação decorre não somente do risco de aplicação de determinada sanção, mas também da possibilidade de queda de suas ações, do constrangimento pessoal de diretores e administradores e, evidentemente, da exposição negativa de sua imagem e reputação.
E, de fato, o cumprimento da lei deixou de ser apenas um fenômeno passivo e passou a supor a adoção de comportamentos ativos por parte dos fornecedores com o intuito de prevenir violações e responder com agilidade às irregularidades eventualmente encontradas.
Até porque, quando tratamos de sociedades empresariais, nem tudo pode ser resumido na intenção de cumprimento da lei. O risco de descumprimento muitas vezes decorre de falhas involuntárias, principalmente diante da quantidade de pessoas envolvidas na operação da empresa.
É diante desse cenário que se inserem os programas de compliance (do inglês to comply, ou “se conformar”), que existem para garantir a conformidade da empresa com a legislação e seus valores, políticas e princípios, além de incentivar o respeito às partes envolvidas em suas operações. Para atingir tais objetivos, são adotados procedimentos que permitam identificar, prevenir e corrigir falhas no cumprimento das normas, operando para mitigar riscos ocasionados pelo risco da atividade empresarial.
Em que pese a vertente mais conhecida do programa de compliance tenha surgido para assegurar a integridade da empresa, principalmente desde a publicação da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) [1], não há como negar a importância de que os fornecedores que lidam com o mercado de consumo estejam em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor e demais diplomas legais relacionados com a área.
Com a atuação mais ativa dos órgãos de defesa do consumidor (como o Procon), é certo que o risco de atuação nesse mercado é cada vez mais elevado. A violação das normas consumeristas pode levar à aplicação de sanções administrativas que variam desde a multa até a interdição do estabelecimento ou da atividade, causando extensos prejuízos ao empresário.
Recentemente, tais órgãos multaram as Lojas Americanas em R$ 11 milhões[2], a Nestlé em R$ 10 milhões [3] e a Amazon em R$ 2 milhões[4], todos valores aproximados, em razão de diferentes infrações à legislação — isso sem contar todas as multas de valores menores diariamente imputadas aos fornecedores.
Não somente isso, mas a judicialização de questões referentes ao direito do consumidor, que alcançou o segundo lugar entre os assuntos mais demandados na Justiça Estadual em 2022 [5] (mais de três milhões de novos processos no ano passado), não tende a diminuir, o que acarreta gasto com custas judiciais, honorários de advogados e indenizações de diversas espécies.
Por fim, há que se considerar o dano à reputação das empresas, que pode resultar na perda de clientela e redução do faturamento. Portais eletrônicos como o Reclame Aqui [6] nunca foram tão influentes na escolha do cliente que, diante de diversas opções viáveis para aquisição de determinado produto ou serviço, é capaz de considerar a reputação como fator decisivo.
Confrontado com tais riscos, o compliance consumerista busca dotar a empresa de instrumentos que assegurem o cumprimento da legislação, não de forma a limitar a sua atuação, mas como parte de seu propósito. Tais instrumentos podem tomar a forma de procedimentos internos que visem evitar violações, do treinamento dos funcionários e colaboradores, da elaboração de diretrizes específicas para diversos setores da empresa e da elaboração de Código de Ética e Conduta, além de outras ações necessárias por força dos riscos específicos aos quais cada fornecedor está exposto.
A adoção de programa de conformidade não beneficia somente a sociedade empresária, como já explicitado, mas também o consumidor e a sociedade como um todo, haja vista que reforça os deveres de diligência e cuidado do fornecedor no cumprimento dos deveres que lhe são impostos e reduz os custos sociais e econômicos de uma litigiosidade alta — o que é evitado pela solução proativa dos conflitos e pela adoção dos procedimentos que visem o cumprimento da legislação.
Rodrigo Brandão Fontoura, diretor executivo da Associação Brasileira de Integridade, Ética e Compliance (Abraecom), afirma que, no caso do compliance consumerista, uma ação simples de mitigação de riscos não é suficiente, de forma que é necessária toda uma estrutura própria de gestão desses riscos para evitar que a empresa seja vista de forma errada e perca valor de mercado. Para Fontoura, são os consumidores que vão dizer se uma empresa, seu produto ou serviço vão subsistir no mercado [7].
Dessarte, diante das considerações expostas, é certo que a tradicional postura reativa por parte do empresariado no que tange às eventuais infrações ao direito do consumidor cometidas por sua empresa, ainda que involuntariamente, é muito menos eficiente do que a postura preventiva, no que toca à preservação da imagem da empresa, a retenção da clientela e a mitigação dos prejuízos provenientes de sanções administrativas ou indenizações judiciais.
Com vistas à adequação normativa e à prevenção de imbróglios, constrangimentos e prejuízos futuros, previsíveis em razão do risco da atividade empresarial, torna-se cada dia mais necessário que os fornecedores adotem políticas e diretrizes internas com vistas à conformidade com a legislação consumerista, dado que, principalmente nesses casos, a prevenção sempre é mais barata que o remédio.
[1] BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 10 abr. 2023.
[2] Procon multa Americanas em R$ 11 milhões por não entregar produtos e descumprir ofertas. O Globo, Rio de Janeiro, 3 fev. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/negocios/noticia/2023/02/procon-multa-americanas-em-r-11-milhoes-por-nao-entregar-produtos-e-descumprir-ofertas.ghtml. Acesso em: 10 abr. 2023.
[3] PROCON-SP. Procon-SP multa Nestlé em mais de dez milhões. Procon-SP, São Paulo, 28 out. 2020. Disponível em: https://www.procon.sp.gov.br/procon-sp-multa-nestle-em-mais-de-10-milhoes/. Acesso em: 10 abr. 2023.
[4] MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (MPMG). Procon-MG multa Amazon do Brasil pela prática de venda casada. Mpmg, Belo Horizonte, 27 fev. 2023. Disponível em: https://www.mpmg.mp.br/portal/menu/comunicacao/noticias/procon-mg-multa-amazon-do-brasil-pela-pratica-de-venda-casada-8A9480678602D08F018692C0BF1C62C1-00.shtml. Acesso em: 10 abr. 2023.
[5] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2022. Brasília: CNJ, 2022. p. 277.
[6] Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/. Acesso em: 10 abr. 2023.
[7] FONTOURA, Rodrigo Brandão. Conformidade das relações com o mercado e seus efeitos nas relações de consumo. In: RANGEL, Aline Roberta Veloso et al. Compliance e relações de consumo. Indaiatuba: Foco, 2022. p. 80.
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Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]
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Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Pós-graduado em Relações de Consumo e Compliance nos Mercados pela PUC/PR. Membro da Comissão de […]
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