14 | 10 | 2020

Em defesa da revogação da Resolução CONAMA n. 303/2002 e da exploração sustentável das praias

Por Joel de Menezes Niebuhr 

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) revogou a Resolução n. 303/2002, que tratava de parâmetros, definições e limites das áreas de preservação permanente, com impacto especial sobre os ambientes costeiros. A maior parte da mídia pôs-se frontalmente contra a revogação, com o argumento geral de que o litoral brasileiro não estaria mais protegido, sugerindo até que ele seria devastado. Considero esse discurso bem equivocado, sou a favor da revogação da Resolução e sou a favor do meio ambiente, em especial do nosso litoral.

Sou nascido e criado em Florianópolis, na parte insular. Como bom “manezinho”, não saio daqui de jeito nenhum, nasci aqui e vou morrer aqui. Sou apaixonado pela nossa cultura e pelas nossas praias, que são coisas indissociáveis. Moro numa praia, desde que me entendo por gente me divirto, encontro meus amigos e pratico esportes nas nossas praias. Quando chegar a minha hora, quero que as cinzas sejam espalhadas em algum cantinho quente da Praia Mole, num dia ensolarado, de água clara e ondulação de leste. Acho que deu para entender que não pretendo a destruição dos ambientes costeiros.

O que eu defendo é a conciliação da proteção ao meio ambiente com a exploração sadia das praias e seus entornos. Aliás, a noção de sustentabilidade pressupõe a conciliação. As praias são lugares belíssimos, que favorecem o entretenimento, atraem moradores e turistas e que, portanto, demandam toda a sorte de infraestrutura, desde estacionamentos, banheiros, bares, restaurantes, pousadas, hotéis e marinas. São, nessa medida, um ativo econômico fundamental para as cidades costeiras, precisam ser protegidas e bem exploradas, o que pressupõe que haja normas jurídicas razoáveis, que equilibrem a proteção e a exploração, deixando claro o que pode ser feito, como pode ser feito e todos os seus limites.

A revogada Resolução n. 303/2002 do CONAMA representava a antítese dessas ideias, porque impunha restrição exagerada à exploração de quase todas as praias, senão todas. O principal problema estava no inciso IX do seu artigo 3º, cujo texto qualificava como de preservação permanente as áreas de restinga “em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima”. A vegetação de restinga é aquela típica das praias, encontrada praticamente em todas elas. Então, a Resolução impedia que nas praias com vegetação de restinga, quase todas, houvesse infraestrutura numa faixa de trezentos metros. Em alguns lugares, essa distância pode até ser razoável, mas na maioria das praias que eu conheço não é, porque elas acabam bem antes de trezentos metros. Ou seja, ao fim de trezentos metros está-se fora da praia, não se consegue mais vê-la, não se consegue mais desfrutá-la. Afastar a infraestrutura para trezentos metros da preamar máxima é o mesmo que afastá-la da praia. E o pior é que a norma contida na antiga Resolução n. 303/2002 era geral e aplicada em todo o Brasil, independentemente das suas particularidades. Estados e municípios não podiam organizar a exploração dos seus ambientes costeiros sem respeitar o afastamento de trezentos metros.

Sempre tive a convicção de que os membros do CONAMA que aprovaram essa Resolução odeiam praias. Não consigo conceber que alguém que tenha algum apreço por praias queira ficar tão longe delas. Quem gosta de praia quer praia. Quer senti-la, ver a paisagem, mergulhar no mar, pisar na areia, ouvir o barulho das ondas, cheirar a maresia… É evidente que a infraestrutura faz com que as pessoas acessem e desfrutem com mais facilidade e qualidade as praias. Adoro praias virgens, mas nem todas podem ser virgens, justamente porque não é fácil desfrutá-las. Precisamos de equilíbrio, porque algumas praias devem mesmo ser virgens, mas a maioria delas não. Quem tem que definir isso são os municípios e não o CONAMA, porque não dá para fazer do mesmo jeito e com a mesma medida para toda a faixa litorânea do país – quase continental, “gigante pela própria natureza”.

Gosto tanto de praia que, além de morar numa, quando viajo vou para cidades de praia. E não há nada que me deixa mais irritado do que viajar para cidades de praia, especialmente as europeias, e ver como eles conseguem (e nós não) equilibrar bem a proteção e a exploração das praias, com empreendimentos fantásticos que beijam o mar. Na verdade, o que me irrita não é o que os estrangeiros conseguem fazer, mas o que nós brasileiros não conseguimos, de não termos a mínima infraestrutura nas praias. E não temos a infraestrutura em grande parte porque não há segurança jurídica para investir nas praias, com a contribuição histórica e generosa da revogada Resolução n. 303/2002 do CONAMA, que impedia qualquer coisa numa faixa de trezentos metros da linha preamar máxima.

Essa Resolução n. 303/2002 sempre causou um conflito enorme nas cidades de praia. Aqui em Florianópolis, por exemplo, o Ministério Público, com a tal Resolução debaixo do braço, propôs diversas ações civis públicas para derrubar tudo que esteja nas proximidades das praias, na faixa dos trezentos metros, desde os beach clubs de Jurerê Internacional até meia dúzia de ranchos e residências dos pescadores na quase intocada praia dos Naufragados. Empreender nas praias de Florianópolis é tarefa de alto risco, para quem tem estômago para conviver com autos de infração, interdições, ações civis públicas e mesmo ações penais.

Não é preciso muito esforço para perceber que esse estado de coisas desestimula bons empreendimentos e estimula a clandestinidade, o puxadinho e a ocupação desordenada. Também não é preciso muito esforço para entender que bons empreendimentos tendem a preservar o meio ambiente e que a clandestinidade, o puxadinho e a ocupação desordenada tendem a devastar o meio ambiente. É melhor para o meio ambiente um bom hotel, com área delimitada, com estação de tratamento de esgoto e que gera emprego do que uma favela. Salvo engano, o último grande hotel de praia construído em Florianópolis foi o Costão do Santinho, no começo da década de noventa. De lá para cá, nessas três décadas, há uma espécie de infestação de favelas em praias e dunas. A nossa Ilha ainda é paradisíaca, mas estamos na iminência de uma crise hídrica gravíssima, muitos trechos de praias tornaram-se impróprios para banho porque não damos conta de tratar o esgoto, os ambulantes tomaram conta das praias ocupando os espaços deixados pela ausência de infraestrutura adequada e o sistema de trânsito colapsou, fazendo com que chegar e sair de muitas das nossas praias se tornasse um martírio.

Muitos dos críticos da revogação da Resolução n. 303/2002 sustentam que as praias estarão desprotegidas e que isso aumentará a degradação. Muitos citaram as praias europeias como modelos de preservação, fazendo referência a uma certificação internacional privada, chamada Bandeira Azul, bastante comum por lá. Para mostrar que as coisas não andam bem por aqui, salientaram que no Brasil há pouquíssimas praias Bandeira Azul. Esqueceram os críticos que a Bandeira Azul é dada às praias urbanizadas, que contam com infraestrutura adequada e regular. As praias europeias têm Bandeira Azul justamente por causa da infraestrutura, que é consequência da segurança dada aos empreendedores privados. Na contramão, a maioria das praias brasileiras não consegue a certificação por causa da ausência de infraestrutura, provocada pelo desestímulo aos empreendedores privados, que tinha a Resolução n. 303/2002 como protagonista. A revogação da Resolução, ao contrário do que dizem os críticos, deve sim contribuir para que mais praias brasileiras consigam se organizar, criar infraestruturas adequadas e eventualmente pleitearem a Certificação Bandeira Azul.

Também é bom deixar claro que a revogação da Resolução n. 303/2002 não significa que as praias não estejam mais protegidas e que se deu carta branca a qualquer tipo de exploração. Isso é falso, dado que o inciso VI do artigo 4º do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) qualifica como área de preservação permanente “as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues”. Significa que as praias podem ser exploradas, sendo obrigatório preservar as restingas onde há dunas e mangues, o que corresponde a locais delimitados e não à generalidade de uma faixa nacional de trezentos metros a contar da linha preamar máxima, como prescrevia a Resolução n. 303/2012. Além disso, os Estados e, com ênfase, os Municípios dispõem de legislação sobre a ocupação das suas praias, com competência para estabelecer todas as condicionantes para que ela seja racional e sustentável.

Infelizmente, a revogação da Resolução n. 303/2002 do CONAMA não é o bastante para oferecer segurança jurídica para empreendimentos privados sustentáveis nas nossas praias. Ainda há muito enrosco, em razão do voluntarismo de parte do Ministério Público e de parte do Poder Judiciário, bem como por força da falta de critérios objetivos para a delimitação das áreas de dunas, dos mangues e dos terrenos de marinha. Considero realmente importante para a sustentabilidade das praias brasileiras que se definam parâmetros técnicos e científicos rigorosos para qualificar dunas, mangues e para delimitar os terrenos de marinha. Bons empreendedores não se incomodam com condicionantes rigorosas, desde que façam algum sentido e não inviabilizem seus empreendimentos. Incomodam-se é com a falta de critérios objetivos, com generalizações despropositadas e de dependerem da boa ou má vontade de fiscais ambientais, procuradores e juízes. Quem sabe não se aproveita a boiada.

Por

Joel de Menezes Niebuhr

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Advogado inscrito na OAB/SC sob o nº 12.639. Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre […]

Joel de Menezes Niebuhr

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