20 | 12 | 2023

Extensão dos efeitos dos embargos à execução à ação anulatória de créditos

Tomemos como base uma situação corriqueira na prática contenciosa tributária: o contribuinte, embora tenha instaurado o contencioso administrativo, não obteve êxito em sua pretensão perante as autoridades administrativas.

Entendendo pela procedência de suas razões, aciona o Judiciário para propor ação antiexacional antes mesmo que a autoridade fazendária ajuíze execução fiscal.

Não são raras, nesse cenário, as discussões travadas entre os contribuintes e as autoridades fazendárias acerca dos efeitos dessas ações antiexacionais que precedem a propositura da execução fiscal, notadamente em caso de insucesso na obtenção de tutela provisória que suspenda a exigibilidade dos créditos tributários na forma do artigo 151, incisos IV e V, do Código Tributário Nacional.

No caso da ação anulatória, é comum nos depararmos com o indeferimento de tutela provisória de urgência cujo risco de dano grave esteja fundado apenas no risco de constrição patrimonial decorrente da ação exacional. Em recente julgado da 2ª Turma do TRF-4, de relatoria do desembargador federal Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, a corte entendeu que “a mera possibilidade de prosseguimento da execução fiscal não é suficiente, por si só, para configurar o perigo na demora exigido pelo art. 300 do Código de Processo Civil” [1] e exigiu o depósito do montante integral dos créditos vergastados.

Por outro lado, ainda que o contribuinte garanta a dívida e oponha embargos à execução fiscal, o incidente de defesa será prejudicado pela litispendência: as razões dispostas na ação anulatória não poderão ser objeto de embargos à execução fiscal.

Nesse ponto, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui jurisprudência pacífica segundo a qual “deve ser reconhecida a litispendência entre os embargos à execução e a ação anulatória ou declaratória de inexistência do débito proposta anteriormente ao ajuizamento da execução fiscal, se identificadas as mesmas partes, causa de pedir e pedido” [2].

Com efeito, na forma da lição de Dalla Pria, temos que “a ação anulatória, ao se voltar contra débito fiscal objeto de cobrança via ação executiva, assume a função de ‘embargos do devedor’, fazendo-lhe as vezes” [3].

Como consequência dessa circunstância, torna-se razoável reconhecer a extensão do efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal à ação anulatória de créditos tributários, com base na aplicação analógica do artigo 919, §1º, do Código de Processo Civil, por meio da qual se atribui a um fato não regulado expressamente por lei a mesma consequência jurídica prevista para situação similar.

Ora, se a ação anulatória faz as vezes dos embargos à execução fiscal, ao contribuinte deve ser assegurado o direito de obter a suspensão dos atos executórios caso sejam verificados os pressupostos exigidos pelo referido dispositivo, quais sejam: (1) a garantia integral do débito; (2) a probabilidade do direito; e (3) o risco de dano grave.

Parece justamente esse o racional por trás da antiga exigência de “depósito preparatório” ao ajuizamento da ação anulatória, constante do artigo 38 da Lei nº 6.830/1980 [4]. Confirma-se, assim, sua equivalência material com os embargos à execução fiscal, enquanto meios de defesa do devedor executado.

Porém, no cenário ora posto, defende-se que a garantia da execução fiscal pode se dar por meio de qualquer das modalidades admitidas pelo Judiciário. A suspensão da execução fiscal pela tramitação da ação anulatória dispensa a obrigatoriedade do depósito integral para obter a suspensão da exigibilidade dos créditos tributários como exige o artigo 38 da Lei nº 6.830/1980, facultando-se que a garantia seja prestada pelas hipóteses do artigo 11 da mesma Lei de Execuções Fiscais ou por meio de fiança bancária ou seguro-garantia.

A título ilustrativo, colaciona-se o entendimento do desembagador federal Rômulo Pizzolatti, relator do AG nº 5025946-75.2016.4.04.0000 e membro da 2ª Turma do TRF-4, cuja ementa merece leitura:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. AÇÃO ORDINÁRIA. SUSPENSÃO. ART. 919 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. A ação anulatória do crédito tributário ajuizada antes da execução fiscal que o tem por objeto faz as vezes de embargos à execução e autoriza a suspensão da execução apenas quando preenchidos os requisitos estabelecidos pelo art. 919 do Código de Processo Civil” [5].

Trata-se de entendimento acertado, que valoriza tanto a existência da garantia prestada pelo devedor executado, quanto os atos processuais praticados na ação antiexacional.

Com isso, identifica-se a prescindibilidade da oposição de embargos à execução fiscal, gerando economia a ambas as partes processuais, bem como ao Judiciário, que deixa de conhecer de ações idênticas e que possuem, ao final, a mesma pretensão: a desconstituição dos créditos tributários lançados pela autoridade administrativa fiscal.


[1] TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A mera possibilidade de prosseguimento da execução fiscal não é suficiente, por si só, para configurar o perigo na demora exigido pelo art. 300 do Código de Processo Civil. 2. Ademais, a propositura de ação anulatória não tem o condão de afastar a exigibilidade do crédito tributário, sendo necessário, além de ação discutindo o débito e da existência de verossimilhança do direito invocado, depósito do montante integral exigido pelo credor ou a oferta de garantia idônea e suficiente, o que não ocorreu nos autos. (TRF-4, AG 5008243-87.2023.4.04.0000, 2ª Turma, relator Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, juntado aos autos em 19/05/2023).

[2] SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). T1 – Primeira Turma. AgRg no AREsp: 208266 RJ 2012/0154222-0, relator: min. Benedito Gonçalves, julg. 07/05/2013, DJe de 14/05/2013.

[3] DALLA PRIA, Rodrigo. Direito Processual Tributário. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Noeses, 2021. p. 286-287.

[4] “Artigo 38 – A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.

Parágrafo Único – A propositura, pelo contribuinte, da ação prevista neste artigo importa em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto” (BRASIL. Lei n. 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 set. 1980. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em: 29 set. 2023).

[5] TRF-4, AG 5025946-75.2016.4.04.0000, 2ª Turma, relator Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 14.09.2016.

Artigo publicado no portal Conjur em 10 de outubro de 2023.

Por

Gabriela Bittencourt Zanella

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e pelo IBET. Membro […]

Por

Victoria Angélica Gauze

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Pós-graduanda em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários. Graduada em Direito […]

Deixe seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Ao publicar um comentário, você concorda automaticamente com nossa política de privacidade.

Conteúdos Relacionados