11 | 10 | 2021

O que são federações partidárias e como elas podem impactar as eleições

O Brasil tem partidos demais. Isso, por si só, não é um problema. O problema é que o Brasil possui mais de 20 partidos com representação parlamentar em nível federal, característica que torna o sistema político fragmentado e de difícil coordenação. Ingovernável, se quisermos esticar um pouco o argumento. Claro que não precisamos recorrer a um bipartidarismo radical como ocorre nos Estados Unidos, mas algo em torno de seis a oito partidos é suficiente para representar razoavelmente as diferenças ideológicas de uma sociedade como a nossa. Essa quantia está próxima do sistema alemão, tido por muitos como referência em termos de estabilidade governamental.

Por essas razões, desde 2017 a Constituição prevê uma medida dura que restringe o acesso aos recursos do fundo partidário, condicionando-o ao alcance de um piso alto de votação em eleições nacionais, a chamada cláusula de desempenho. Para ter recursos, o partido precisa ter votos. Muitos votos. Além disso, a Constituição facilita a migração de eleitos para siglas que tenham atingido o quórum mínimo da cláusula. Naturalmente, essas medidas incentivam fusões e incorporações partidárias, coisa que já está acontecendo. Na esquerda, o PCdoB incorporou o PPL. Na direita, DEM e PSL caminham para uma fusão chamada União Brasil, ainda que por razões distintas. A tendência é que, com o passar do tempo, o sistema partidário diminua e a estabilidade aumente — num cenário otimista, claro.

No entanto, o Congresso Nacional aprovou recentemente uma espécie de meio-termo que já valerá para a próxima eleição: a chamada federação partidária, que se resume à constituição de uma frente de partidos agindo como um só. Não somente nas eleições, mas também durante o exercício dos mandatos. A Lei Federal nº 14.208/2021 prevê que dois ou mais partidos poderão reunir-se em federação e, a partir daí, devem permanecer filiados à federação por no mínimo quatro anos. A violação dessa regra resultará na proibição de ingressar em nova federação, de celebrar coligação nas duas eleições seguintes e de utilizar o fundo partidário por certo tempo. Aliás, a nova lei determina que às federações se aplicam todas as normas que regem a fidelidade partidária.

Regras como essas têm uma implicação importante para as eleições de 2022. As federações impactarão a formação de alianças não somente em nível nacional, mas também regional. Não existirá federação pela metade ou somente disposta a disputar a eleição presidencial. Diferentemente das coligações, as federações não mudam a cada fronteira de estado que se cruza. Os partidos federados devem estar alinhados em todas as unidades da federação, o que poderá provocar uma necessidade de acomodação de interesses conflitantes nos diretórios locais. O Brasil tem essa estranha particularidade ao estilo Dr. Jekyll e Mr. Hyde do sistema político: o partido é um em Brasília e outro no seu estado. A federação de partidos pode ajudar a diminuir esse fenômeno, aproximando legendas com compatibilidade programática e ideológica que supere divergências locais, de forma a fortalecer a institucionalização do sistema partidário.

Apesar de agirem como uma só agremiação, partidos políticos federados poderão preservar sua identidade e autonomia. Do contrário, estaríamos falando de uma simples fusão partidária, já prevista no artigo 17 da Constituição Federal. A federação partidária se diferencia exatamente por permitir a coordenação política entre partidos diferentes, obrigando uma unidade de ação institucional, mas sem fazer com que as siglas percam suas características próprias.

Quem critica as federações tem um ponto. Querendo ou não, elas vieram também para driblar os efeitos da cláusula de desempenho sobre partidos menores. No entanto, não há como negar que as federações tenderão a agrupar partidos ideologicamente próximos, uma vez que a nova lei exige uma aliança política de quatro anos. Ninguém quer ficar tanto tempo dormindo com o inimigo. Sob esse ponto de vista, as federações têm tudo para ser um teste entre legendas para a constituição futura de um novo partido político, por meio de fusão ou incorporação. Além disso, o prazo mínimo de quatro anos para manutenção da federação poderá assegurar uma maior correspondência entre voto e representação, pois partidos federados eleitos para uma legislatura deverão permanecer unidos até o seu fim — o que também desincentiva mudanças de lado casuísticas no cenário pós-eleitoral.

Não se trata de nenhuma jabuticaba feita à mão, vale dizer. A experiência internacional registra modelos interessantes de federações partidárias. No Uruguai, a Frente Ampla de José Mujica governou o país por 15 anos, até 2020. Na Alemanha, Angela Merkel governa apoiada por uma espécie de federação composta pelos partidos CDU e CSU, embora a coalizão possivelmente saia de cena para dar lugar ao novo governo do SPD. A chamada “Geringonça” portuguesa também constitui uma frente em termos parecidos. No Brasil, a formação de frentes federadas para 2022 já está em curso. Segundo informações da imprensa, PV, Cidadania e Rede dialogam de um lado; de outro, PCdoB conversa com PSB e PSOL. No campo da direita possivelmente veremos movimentações também. Falta menos de um ano para as eleições de 2022 e já sabemos que elas contarão com um elemento inédito na democracia brasileira.

Por

Isaac Kofi Medeiros

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Doutorando em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito do Estado pela UFSC. Graduado […]

Isaac Kofi Medeiros - Menezes Niebuhr

Deixe seu comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Ao publicar um comentário, você concorda automaticamente com nossa política de privacidade.

Conteúdos Relacionados