05 | 10 | 2023

Pontuação e consequências de comentário desabonador em site de consumidor

Por Michel Scaff Junior e Aliecha Vieira Angelo

Nos últimos anos surgiram ferramentas que visam auxiliar os consumidores no dia a dia das relações de consumo, principalmente para orientar e prevenir o consumidor antes da realização de uma compra. O surgimento desse tipo de serviço tem como escopo prevenir possíveis riscos a que os consumidores estão expostos, bem como evitar a necessidade de recorrer aos órgãos que prestam a garantia do direito do consumidor.

As ferramentas mais conhecidas têm como objeto a pesquisa de preços, a facilitação no contato e o compartilhamento da experiência do cliente com os fornecedores. Dentre as que mais se destacam no segmento, e de importância indiscutível, podemos citar a plataforma “Reclame Aqui”.

Como o próprio site indica, a plataforma é um canal independente que permite a interação entre consumidores e empresas. Assim que as reclamações são publicadas no portal, os fornecedores são notificados automaticamente pelo e-mail cadastrado e, a partir desse momento, as respostas dependem exclusivamente deles [1]

A plataforma propõe-se a ajudar os consumidores a comprarem com segurança e confiança, mostrando índices de solução e de negócios, volume de reclamações recebidas, as experiências de outros consumidores e, claro, a reputação do fornecedor. O site tem grande influência na decisão de compra dos consumidores e, por isso, é tão importante que quem trabalha no mercado de consumo se dedique para manter sua reputação elevada.

Ainda, é possível dizer que a plataforma serve como base para que os consumidores verifiquem, antes de efetuar uma compra, a idoneidade, confiabilidade e a credibilidade da empresa por meio de um sistema de pontuação.

É importante, todavia, que se dispense atenção à forma com que a plataforma atribui o score do fornecedor. Isso porque o sistema funciona a partir de cinco critérios: a) o índice de resposta dado pelo fornecedor; b) a média das avaliações dos consumidores; c) o índice de solução apontado pelos consumidores ao final do atendimento; e d) o índice de possibilidade de realizar novos negócios indicado pelos consumidores ao final do atendimento [2].

 Para determinar a pontuação final da empresa, são atribuídos “pesos” para determinados critérios, aplicando-se “peso 2” ao critério do índice de resposta – único quesito de controle do fornecedor — e “peso 3” para cada um dos outros critérios existentes, todos de escolha única do consumidor.

 A regra de pontuação da plataforma concede um peso maior para as notas atribuídas pelo consumidor, sem qualquer possibilidade de o fornecedor questioná-las, haja vista que o índice de solução e novos negócios dependem exclusivamente de um critério subjetivo de cada cliente.

O que se tem observado na prática é que caso o atendimento termine com a solução esperada pelo consumidor, possivelmente os critérios serão positivos, mas caso a empresa não garanta a resolução esperada pelo cliente, mesmo que embasada em critérios legais, poderá sofrer o prejuízo decorrente de tal negativa.

Não há dúvidas de que uma pontuação baixa pode prejudicar o desenvolvimento das atividades de empresa que trabalha no mercado consumidor e, principalmente, criar um falso senso coletivo de que o fornecedor não é confiável. Ao final, com base nos critérios avaliados pelo consumidor, é concedido à empresa um selo de “confiável” ou de “não recomendada aos consumidores”.

Negativamente, a plataforma — e aqui exclui-se sua responsabilidade — também é utilizada por alguns consumidores como forma de forçar o fornecedor a aceitar suas reivindicações sob a ameaça de um apontamento negativo e, por consequência, uma quebra de sua credibilidade e confiança perante o mercado.

Não bastasse a vulnerabilidade do fornecedor no sistema de atribuição de nota e grau de confiabilidade, a própria plataforma indica que, se houver uma publicação falsa ou que não guarde relação com a empresa, a empresa é quem deve entrar em contato diretamente com a pessoa que lhe imputou nota baixa para solicitar a retirada da reclamação [3].

Por isso, deve-se discutir os limites e a metodologia utilizada pela plataforma, que mesmo concedendo o direito de resposta do fornecedor, privilegia a pontuação apontada pelo consumidor, por vezes em dissonância com a realidade.

Para as relações de consumo, a veiculação de comentários desfavoráveis e avaliações sobre produtos ou serviços, por si só, não representam um abuso de direito à livre manifestação, vez que se prestam a dar conhecimento, entre outros aspectos, da qualidade do fornecedor. Sabe-se que essa lógica favorece a sociedade, pois incentiva o fornecedor a empregar seus melhores esforços, sob pena de receber avaliações negativas.

Entretanto, não são raras as vezes em que se depara com o exercício da livre manifestação de forma distorcida, especialmente por meio de comentários ou críticasc exagerados na internet, que possui um nível de exposição incalculável. 

Tal movimento em sites e redes sociais pode ter um reflexo devastador para quem atua no mercado consumidor. A partir dele, cria-se uma situação em que os fornecedores ficam reféns da sistemática da plataforma, que por vezes os deixa de mãos atadas.

Não se nega que o site “Reclame Aqui” disponibiliza espaço para o exercício do direito de resposta do fornecedor, respeitando o direito ao contraditório. Todavia, merece reconhecimento o fato de que o consumidor detém, exclusivamente, o poder de avaliação, o que evidencia a importância de que aqueles que lidam com o mercado de consumo estejam bastante atentos às atualizações da plataforma.


[1] ROSA, Eduardo Garcia. Três minutos de leitura: como funciona o Reclame AQUI?. ReclameAQUI Notícias, [s.l.], 27 set. 2021. Disponível em: https://noticias.reclameaqui.com.br/noticias/3-minutos-de-leitura-como-funciona-o-reclame-aqui_4179/. Acesso em: 14 set. 2023.

[2] MULTARI, Camila. Como é definida a reputação das empresas no Reclame AQUI? BLOG ReclameAQUI, [s. l.], 6 mar. 2018. Disponível em: https://blog.reclameaqui.com.br/como-e-definida-a-reputacao-das-empresas-no-reclame-aqui/. Acesso em: 14 set. 2023.

[3] COMO podemos ajuda-lo? Reclame AQUI, [s.l.], [2023]. Disponível em: https://www.reclameaqui.com.br/como-funciona/#tive-reclamacao-usuario-nao-cliente. Acesso em: 14 set. 2023.

Artigo publicado no Conjur, em 27 de setembro de 2023.

Por

Michel Scaff Junior

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]

Michel Scaff - Menezes Niebuhr

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