08 | 04 | 2020

Precedente sobre penhora em escrow account

Por Michel Scaff Júnior e Maria Alice Trentini Lahoz

A atividade desempenhada pelos fundos de investimento ainda é objeto de constante debate do Poder Judiciário, seja em razão das inovações da atividade desempenhada no ponto de vista dos Magistrados ou carência legislativa sobre o assunto. Não obstante exista uma corrente no Poder Judiciário que defenda se tratar de uma dissimulação da atividade de factoring, cada vez mais os julgados vêm se debruçando sobre as características dos fundos e a sua realidade junto ao mercado.

Em detrimento das discussões realizadas no âmbito dos Tribunais Estaduais, em 06/08/2019 o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial n. 1.726.161/SP, deixou claro que a atividade dos fundos de investimento não se confunde com a atividade das faturizadoras.

Poucos meses após, foi aprovada a Lei n. 13.874/2019, que alterou o Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e definiu que “O fundo de investimento é uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza” (art. 1.368-C) e instituiu o seu regulamento nos dispositivos seguintes.

Ou seja, a recente mudança legislativa, o próprio entendimento do Superior Tribunal de Justiça e decisões de Tribunais locais dão ânimo aos FIDCs e garantem àqueles que operam sob seu tipo a segurança em alguns aspectos que há muito se discutem.

Nessa linha, além das consequências mais diretas decorrentes da correta interpretação da atividade desempenhada pelos fundos – como, por exemplo, a possibilidade do direito de regresso –, o judiciário também tem a missão de analisar outros mecanismos de garantia da operação.

Dentre eles, tem-se a criação da conta vinculada (escrow account), utilizada pelos fundos. Na prática, com o estabelecimento de um contrato de cessão de crédito entre o fundo de investimento (cessionário) e a empresa (cedente), é acordada entre as partes a criação de uma conta vinculada, na qual os sacados pagarão os títulos cedidos diretamente na referida conta.

Segundo a instrução CVM n. 356/2001, trata-se de uma “conta especial instituída pelas partes junto a instituições financeiras, sob contrato, destinada a acolher depósitos a serem feitos pelo devedor e ali mantidos em custódia, para liberação após o cumprimento de requisitos especificados e verificados pelo custodiante” (art. 38, VII, “b”).

A conta é de titularidade da cedente, mas de movimentação restrita do fundo de investimento (cessionário) e os valores ali depositados são de propriedade do fundo. Para tanto, o fundo deve firmar o contrato de conta vinculada com a empresa cessionária e a instituição que custodiará a conta, estabelecendo às claras as regras de uso e movimentação bancária.

Além disso, é essencial que o fundo se certifique que a empresa cedente e o sacado estabeleçam um termo de trava de domicílio bancário. Nele, a cedente notifica e exige que o sacado deposite os valores objetos da cessão de crédito somente na conta bancária vinculada.

Todos esses requisitos são primordiais para que, em uma eventual discussão judicial, se configure que os valores depositados na conta vinculada sejam de propriedade exclusiva do fundo de investimento, já que a titularidade da conta estará em nome da cedente. Os fundos de investimento devem, obrigatoriamente, firmar o contrato de conta vinculada e exigir cópias autenticadas da trava de domicílio bancário assinada pela empresa cedente e seu devedor.

Essa cautela é necessária para que os FIDCs possam se defender, perante terceiros, dos valores que ali estão depositados, uma vez que a conta não é de sua titularidade. Isto é, sendo eventualmente penhorados os valores das contas vinculadas, cabe ao fundo de investimento adotar as medidas jurídicas adequadas a fim de garantir a titularidade dos valores depositados na conta vinculada.

Demonstrando a evolução do entendimento no Poder Judiciário, recentemente, a 5ª Vara Cível da Comarca de Florianópolis/SC, ao analisar o pedido de tutela de urgência para liberação de quantia bloqueada em uma conta vinculada (escrow account), concedeu a liminar almejada pelo fundo de investimento e reconheceu que os valores depositados não pertenciam à cedente. A tutela foi deferida especialmente porque foi comprovado documentalmente que a penhora on-line via BacenJud, apesar de realizada em conta de titularidade da cedente, ocorreu sobre valores que não eram de sua propriedade.

Ainda que incipiente, a decisão prolatada demonstra que o Poder Judiciário está minimamente atento às práticas e à atividade desempenhada pelos fundos de investimento e que cada vez mais as questões correlatas ao seu conceito serão interpretadas conforme as resoluções da Comissão de Valores Mobiliários e a legislação aplicável.

¹ Colhe-se do trecho da ementa: “3. Portanto, o FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no mercado financeiro (vertente mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio da qual determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários colocados à disposição de investidores. Consoante a legislação e a normatização infralegal de regência, um FIDC pode adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais: o endosso, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido, e a cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 286-298 do CC, pro soluto ou pro solvendo.”

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Michel Scaff Junior

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Especialista em Direito do Consumidor. Graduado em Direito pelo CESUSC. Membro do Tribunal de Justiça […]

Michel Scaff - Menezes Niebuhr

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Maria Alice Trentini Lahoz

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SC. Pós-graduada em Direito do Consumidor pela […]

Maria Alice Trentini Lahoz - Menezes Niebuhr

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