12 | 01 | 2024
A discussão a respeito da competência para a emissão da autorização de corte e supressão de vegetação, principalmente quando voltada para o regramento específico do bioma Mata Atlântica, é um daqueles grandes temas controvertidos no Direito Ambiental.
Originalmente, o bioma da Mata Atlântica cobria 15% da extensão do território nacional, algo próximo a 1,3 milhões de km². Estimativas apontam que atualmente restam cerca de 29% da floresta original. Dos 27 estados da federação, a Mata Atlântica está presente em 17 deles, abrangendo originalmente todo o Estado de Santa Catarina[1].
Visando preservar sua rica biodiversidade e conciliá-lo à exploração racional, o bioma da Mata Atlântica, por expressa determinação constitucional, é objeto de proteção normativa específica, a Lei 11.528/2006, popularmente conhecida como “Lei da Mata Atlântica”. Essa peculiaridade acaba separando-o, assim, do regramento geral de proteção de florestas nativas previsto na Lei nº 12.651/2012, o “Código Florestal”, e instaura um potencial conflito com o regime de competências ambientais disciplinado pela Lei Complementar nº 140/2011, a “Lei de Competências Ambientais”, no tocante a definição dos órgãos responsáveis por autorizar a supressão de vegetação.
O objetivo do presente capítulo é analisar as hipóteses de supressão de vegetação previstas na Lei da Mata Atlântica e definir, a partir da leitura da Lei de Competências Ambientais, a quem cabe a competência para emitir a autorização de corte e supressão específica da vegetação nativa de Mata Atlântica no ordenamento jurídico.
Para atingir esse objetivo, a abordagem é dividida em apontamentos preliminares que tratam da competência constitucional ambiental, partido para o regramento geral da proteção da flora previsto no Código Florestal e posteriormente o regramento específico da Lei da Mata Atlântica. Em um segundo momento abordam-se as inovações trazidas pela Lei de Competências Ambientais, para, por fim, analisar -se a solução para o possível conflito entre as diferentes previsões citadas.
O Direito Ambiental brasileiro é um complexo sistema de normas, composto por leis, regulamentos, portarias, resoluções e outros atos administrativos federais, estaduais e municipais, que certas vezes se complementam, mas com frequência se contradizem. Um pouco dessa constatação pode ser atribuída à maneira com que esse sistema se desenvolveu, convivendo por muito tempo uma fase de segmentação das disposições que tratam dos recursos naturais[2].
Parte das dificuldades para a compreensão do estado atual do ordenamento ambiental deriva da própria Constituição Federal de 1988, que em matéria de competências (legislativas e administrativas) ambientais não é suficientemente clara e completa na indicação dos assuntos reservados à União, aos Estados e Municípios. Parcela da doutrina chega a afirmar que as competências ambientais são o mais polêmico aspecto dessa área do direito[3].
Mesmo não sendo o escopo direto da presente análise, torna-se necessário uma breve contextualização dessas competências constitucionais para precisar o objeto da autorização para supressão de vegetação.
Competência pode ser entendida como feixe de atribuições de poder para exercício de determinada função. Em âmbito constitucional, as competências dos entes federados são divididas em duas vertentes, a formal ou legislativa e a material ou administrativa; ambas dispostas entre os artigos 20 e 31 da Constituição Federal[4].
O artigo 23 da Constituição Federal determina ser competência (administrativa) de todos os entes federativos a proteção do meio ambiente e o combate à poluição, além da preservação das florestas, fauna e flora. Foi em regulamentação ao aludido dispositivo que adveio a Lei de Competências Ambientais, que buscou, conforme será exposto nos tópicos seguintes, organizar a Administração ambiental brasileira[5].
Já a competência para legislar sobre meio ambiente é concorrente entre União, Estados e o Distrito Federal[6]. Significa dizer que União deve editar normas gerais sobre o assunto, reservando aos Estados suplementar aquelas normas[7]. Grande parte das dificuldades hermenêuticas no trato das competências constitucionais está no fato de que a Constituição Federal não deixa claro o conceito de “norma geral” ou “norma suplementar”, gerando inúmeras correntes doutrinárias e decisões judiciais conflitantes[8].
De qualquer forma, foi no exercício de uma competência legislativa concorrente, e tendo em conta a importância atribuída pela Constituição Federal ao Bioma da Mata Atlântica – o parágrafo 4º do artigo 225 da Constituição Federal qualifica a Mata Atlântica como patrimônio nacional e determina que a sua utilização deve ser regrada por meio de lei[9] – que, em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei da Mata Atlântica, regulamentando-a posteriormente por meio do Decreto 6.680 de 2008, e revogando, definitivamente, o antigo regime, previsto no Decreto Federal nº 750/1993.
Foi, igualmente, no exercício de competência legislativa concorrente que, em 2012, o Congresso aprovou a Lei nº 12.651/12, o atual “Código Florestal”, instituindo um regime geral de proteção de florestas e revogando, por sua vez, a Lei 4.771 de 1965.
Assim, sobressaem atualmente dois regramentos federais no tocante a proteção e gestão da flora, seu gerenciamento e hipóteses de supressão. Um geral, válido em regra para todo o território nacional, previsto no Código Florestal, e um específico, previsto apenas onde incide o bioma da Lei da Mata Atlântica. Ambos serão analisados na sequência.
3. O regime geral de supressão de vegetação previsto no Código Florestal
Logo em seu artigo inicial, o Código Florestal deixa explícita a amplitude e abrangência da sua aplicação/incidência, afirmando estabelecer normas gerais sobre florestas[10]. Apesar de se tratar de um conceito envolvo em polêmicas, sobressai a intenção do legislador de impedir que, nesses assuntos, os demais entes da federação disponham de forma desconexa, desordenada e contraditória. A ideia é que o Código Florestal veicule um quadro básico, autorizando que os Estados o complementem (quando omisso) e especifiquem seu conteúdo à luz de suas peculiaridades locais. Para representar essa realidade, o Supremo Tribunal Federal se refere a “condomínio legislativo”[11]
O Código Florestal dedica o Capítulo V para regrar as hipóteses em que pode ser autorizada a supressão de vegetação para o uso alternativo do solo[12], isto é, quando o ordenamento jurídico permite a supressão de vegetação nativa para dar espaço a outra modalidade de ocupação antrópica.
No regime geral do Código Florestal, a autorização para supressão de vegetação é condicionada cumprimento dos requisitos descritos no §4º do artigo 26 da Lei, em pretensão dirigida ao órgão estadual competente[13]. Ou seja, como regra geral válida para todo o território nacional, a supressão de vegetação será autorizada pelo órgão ambiental do Estado da federação em que o imóvel se localize. Nos casos de imóvel rural, é necessário que o empreendedor apresente o regular cadastramento no CAR para pleitear a supressão de vegetação nativa.
Ainda, existe no Código Florestal a previsão de utilização da flora para exploração florestal, mediante a apresentação de Plano de Manejo Florestal Sustentável, consoante dispõe o caput do artigo 31. Nesses casos, a exploração florestal deve ser precedida de licenciamento ambiental conduzido pelo órgão competente integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente, excetuadas as hipóteses em que se trata de florestas públicas de domínio da União, cujo licenciamento tramita nas instâncias federais[14].
Assim, é possível afirmar que o Código Florestal instituiu dois regimes de competência para autorizar a supressão de vegetação. Um primeiro, abrangente, regula a supressão de vegetação para o uso alternativo do solo, em que a competência é do órgão estadual. Um segundo, mais restrito para a exploração florestal por meio de Plano de Manejo Florestal Sustentável, em que o órgão responsável pelo licenciamento (municipal, estadual ou federal) deverá a autorização para a exploração florestal.
Quando a supressão ou o corte que se pretende fazer atinge remanescentes de Mata Atlântica, as disposições do Código Florestal cedem à Lei da Mata Atlântica.
A primeira delimitação fundamental para compreender o regime de proteção da Mata Atlântica, regulamentada pela Lei da Mata Atlântica, é portanto a abrangência das suas disposições. Isso consta logo no artigo 2º da Lei:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se integrantes do Bioma Mata Atlântica as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste. (Vide Decreto nº 6.660, de 2008)
Parágrafo único. Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por esta Lei.
Perceba-se que não basta a formação florestal ser uma das dez citadas no caput do artigo 2º da Lei da Mata Atlântica mas, concomitantemente, é necessário que se trate de um “remanescente de vegetação nativa” dentre as tipologias mencionadas no dispositivo, além de estar dentro da área delimitada pelo mapa construído pelo IBGE. Em termos mais claros, a mera existência de indivíduos, por vezes isolados, originalmente enquadrados como pertencentes ao bioma Mata de Mata Atlântica não é suficiente para atrair as disposições da Lei da Mata Atlântica, sendo obrigatório para isso a confirmação dos demais critérios[15].
No tocante à proteção da flora e a supressão de vegetação, a norma é dividida em dois núcleos, sendo o primeiro o Regime Jurídico Geral, compreendido pelo Título II, e o Regime Jurídico Especial, compreendido pelo Título III, e os Capítulos de I até VII.
De acordo com o artigo 8º Lei da Mata Atlântica, as regras para o corte, exploração e supressão de vegetação serão regulamentadas de acordo com o respectivo estágio de regeneração do remanescente. A Lei distingue a vegetação primária (que não foi objeto de conversão) da vegetação secundária, e classifica esta última nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração[16].
Dentro desse esquema básico destaca-se a regra geral de vedação à supressão de vegetação primária e de vegetação secundária em estágio médio e avançado, constante no artigo11 da Lei da Mata Atlântica [17].
A regra de vedação ao corte e à supressão antes referida, ainda dentro do aludido regime geral, comporta uma exceção, veiculada no artigo 14 da Lei da Mata Atlântica. Trata-se das hipóteses em que o corte e a supressão enquadram-se em situações de utilidade pública e interesse social. O parágrafo 1º do supracitado dispositivo define que, nesses casos, “a competência para autorizar a supressão será do órgão ambiental estadual”, cabendo anuência prévia do órgão federal ou municipal. Exclusivamente para os casos de vegetação secundária em estágio médio de regeneração dentro de área urbana, o parágrafo 2º submete essa “competência ao órgão ambiental municipal”, cabendo apenas uma anuência do órgão estadual[18].
No regime especial, por sua vez, a competência para autorizar o corte e a supressão de vegetação primária, e de vegetação secundária nos estágios médio e avançado de regeneração já está englobada na previsão do artigo 14, ou seja, cabe em regra ao órgão estadual. Em relação à vegetação secundária em estágio inicial de regeneração, o artigo 25 da Lei da Mata Atlântica repete expressamente a previsão da competência estadual[19].
No regime especial existe um regramento próprio para o corte e supressão nas áreas urbanas e regiões metropolitanas, bem como para as atividades minerárias, que desenha relevante distinção em relação à regra do regime geral.
Em relação à primeira hipótese, os artigos 30 e 31 da Lei da Mata Atlântica veiculam regras direcionadas ao corte e supressão de vegetação para fins de implantação de loteamentos ou edificações em geral. O artigo 30 trata da vegetação secundária em estágio avançado de regeneração, ao passo que o artigo 31 dispõe da vegetação secundária em estágio médio de regeneração. Em ambos os casos a Lei da Mata Atlântica prevê que a competência para a autorização da supressão de vegetação é expressamente atribuída ao órgão estadual[20].
Para os casos de mineração em áreas com a presença de vegetação secundária em estágio avançado e médio, não existe previsão expressa discriminando quem seria o órgão autorizador. Porém, como o inciso I do artigo 32 da Lei da Mata Atlântica determina que a supressão somente ocorrerá mediante licenciamento ambiental, é possível deduzir que a competência para autorizar a supressão será determinada de acordo com a definição do órgão responsável pelo licenciamento[21].
Em resumo, é seguro afirmar que a Lei da Mata Atlântica institui um regime que, como regra geral, atribui ao órgão ambiental estadual a competência para autorizar a supressão de vegetação (à exceção de supressões para usos urbanos ou atividades minerárias). Ao tempo de edição da Lei da Mata Atlântica, a previsão da competência estadual como regra era de certa forma coerente com o então vigente artigo 10 da Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) que, àquela altura, previa que o exercício de atividades utilizadoras de recursos ambientais ou capazes de causar degradação ambiental dependeriam de prévio licenciamento por “órgão estadual competente”.
O ponto é que a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente era anterior à Constituição Federal de 1988, que inaugurou uma nova sistemática para repartição de competências. O critério que norteia a repartição de competências na Constituição Federal, como é sabido, é o da predominância de interesses: assuntos de interesse predominantemente nacional devem ser tratados pela União, enquanto que assuntos de interesse preponderantemente regional pelos Estados e assuntos de interesse predominantemente local pelos municípios.
Passou-se a defender, nessa ótica, a participação dos Municípios também em matéria de licenciamento ambiental, o que culminou com a edição da Lei de Competências Ambientais.
5. Lei de Competências Ambientais: novas regras para definição de competências e a regra do licenciamento ambiental em um único nível federativo.
Cinco anos depois do advento da Lei da Mata Atlântica e três anos depois do seu decreto regulamentador, em 2011 foi publicada a Lei de Competências Ambientais. Conforme adiantado, a lei disciplina a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum em matéria ambiental, regulamentando o disposto no parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal.
Antes da Lei de Competências Ambientais, o quadro regulatório sobre competências ambientais era caótico. Como dito, no período pré-Constituição de 1988, o artigo 10 da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente previa que o licenciamento de atividades utilizadoras de recursos naturais seria competência dos estados[22]. Posteriormente, com a instituição da competência comum pela Constituição da República, a Resolução CONAMA nº 237/97 conferiu diversas atribuições de licenciamento aos municípios.
É possível afirmar que o único consenso no tocante ao assunto era justamente a necessidade de edição da lei complementar prevista constitucionalmente para essa finalidade, pois nem a doutrina, nem a jurisprudência conseguiam de forma uniforme determinar um caminho a ser trilhado, proliferando diversas construções hermenêuticas distintas[23].
Cada norma previa um regime diferente de competências ambientais, ao qual se agregava a previsão adicional da Lei da Mata Atlântica, específica sobre aprovação do corte e supressão de vegetação do bioma da Mata Atlântica. Essa situação sempre causou insegurança jurídica e litígios.
A pretensão e finalidade da Lei de Competências Ambientais é, justamente, organizar esse quadro. É o que consta, expressamente, no seu inciso III do artigo 3º, que aponta constituir objetivo fundamental em matéria de proteção ambiental “harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa eficiente”. (grifo acrescido).
Com base nesse objetivo, a lei complementar restringiu a competência federal para licenciar aos casos em que o interesse nacional é, efetivamente, predominante e determinante[24]. Também reconheceu a competência dos municípios para licenciar atividades de impacto local, a serem definidas segundo tipologia dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente[25]. E, por fim, atribuiu aos Estados a competência residual, para licenciar apenas o que não fosse matéria da União e dos Municípios[26].
Uma importante inovação trazida pela Lei de Competências Ambientais foi o estabelecimento do licenciamento ambiental único, ou seja, a disposição de que o processo de licenciamento de determinado empreendimento deveria ser realizado por apenas um único ente federativo, evitando assim a sobreposição de esferas de competência. Para harmonizar essa regra com a disciplina de supressão de vegetação, a lei alterou o regime até então vigente, determinando que, nos casos de supressão de vegetação em implantações e atividades licenciáveis, o ente federativo responsável pelo licenciamento também passaria a ter a atribuição de emitir a autorização para a supressão de vegetação:
Art. 13. Os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, em conformidade com as atribuições estabelecidas nos termos desta Lei Complementar.
§ 2º A supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente federativo licenciador. (grifo acrescido).
Para que não restasse qualquer dúvida quanto à competência dos respectivos entes federados licenciadores em autorizar também o corte e a supressão de vegetação na atividades por si licenciadas, a Lei de Competências Ambientais foi além e definiu, expressamente, as seguintes regras: a competência da União para aprovar supressão de vegetação, florestas e formações sucessoras em atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados ambientalmente naquela esfera[27]; a competência dos estados para aprovar supressão de vegetação, florestas e formações sucessoras em atividades ou empreendimentos por ele licenciados ou autorizados ambientalmente[28]; e a competência do município para aprovar supressão de vegetação, florestas e formações sucessoras nas atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados ambientalmente perante o próprio município[29].
O regime instituído pela Lei de Competências Ambientais é, em tudo, coerente com os propósitos e objetivos gerais enunciados na própria lei. Como pressuposto para criar um ambiente harmônico entre os entes federados dotados de competência em proteção ambiental, evitar conflitos de atribuições e a sobreposição de atuações nesse âmbito, instituiu como regra básica que os licenciamentos ambientais sejam concentrados em um único ente federado.
A imposição se justifica quando se considera que “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legalenvolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis”[30]. Nos casos em que o corte ou a supressão de vegetação sejam vinculados à implantação ou desenvolvimento de uma atividade ambientalmente licenciável, mostra-se fundamental para os propósitos da lei, portanto, que eventuais procedimentos incidentais ao licenciamento ambiental, como é o caso da autorização para o corte ou a supressão de vegetação, sejam concentrados no mesmo ente federado dotado de competência para licenciar. O acessório, nesse caso, deve acompanhar o principal (accessorium sequitur principale). É isso que, expressamente, determina a Lei de Competências Ambientais, em previsões absolutamente consentâneas com a finalidade do diploma.
Pensar o contrário, isto é, a possibilidade de cisão do licenciamento da atividade em relação ao procedimento de autorização para o corte ou supressão de vegetação que lhe é dependente, a fim de reparti-lo entre entes federados distintos, implicaria esvaziar, por vias transversas, a regra de licenciamento em um único nível federativo.
Em síntese: no que toca o objeto do presente capítulo, os pilares e o propósito da Lei de Competências Ambientais são: (i) a definição expressa de competências licenciatórias e a afirmação da competência municipal para licenciar atividades de âmbito local; (ii) a concentração do licenciamento em um único ente federado; (iii) a proibição da cisão dos processos de licenciamento e autorização do corte de vegetação.
6. Dois regimes distintos: a supressão de vegetação na Lei da Mata Atlântica versus a supressão no âmbito da Lei de Competências Ambientais
Considerando assim que a Lei da Mata Atlântica apresenta regramento específico para o bioma, afastando a incidência do Código Florestal, ao menos no que tange as regras para autorização de corte e supressão de vegetação, tem-se, diante desse cenário, as seguintes situações: de um lado a existência de um regime geral estipulado na Lei da Mata Atlântica, que atribui aos estados a competência para autorizar o corte e supressão de vegetação daquele bioma; e, de outro, um regime específico, atinente ao licenciamento ambiental, previsto na Lei de Competências Ambientais, que atribui ao respectivo ente licenciador, União, estados ou municípios, a competência para, também, autorizar o corte de vegetação.
De plano é possível deduzir a constatação de que, em se tratando de corte ou supressão não relacionado à uma atividade ambientalmente licenciável, onde, por via de consequência, seria impróprio falar da competência do órgão licenciador, a atribuição para autorizar o corte ou a supressão remanesceria como sendo a prevista na Lei da Mata Atlântica (e o Código Florestal), tendo como regra geral a competência do órgão estadual.
Trata-se de hipótese bastante corriqueira, diga-se de passagem. Como a Lei de Competências Ambientais regulamenta a competência para autorizar o corte em atividades ambientalmente licenciáveis, não ocorre qualquer tipo de conflito em relação aos pleitos autônomos de corte/supressão de vegetação ou de pretensão de corte/supressão relacionada com o exercício de atividade ambientalmente não licenciável. Ambos os regimes, Lei de Competências Ambientais e Lei da Mata Atlântica, coexistem sem que se fale, nesse caso, em antinomia, pois cada norma regula uma realidade distinta. Conclusão semelhante pode ser utilizada para os cortes e supressões realizados pelo regramento do Código Florestal.
A discussão ganha em complexidade quando se está diante de corte ou supressão referente a uma atividade ambientalmente licenciável, na qual, pelo menos em tese, incidiriam as disposições da Lei de Competências Ambientais.
Na maioria dos casos não há problema relevante quando, por força da Lei de Competências Ambientais, a competência para licenciamento ambiental da atividade for atribuída aos estados, já que esse mesmo ente, em regra, seria o competente para autorizar o corte ou a supressão nos termos da Lei da Mata Atlântica. Nesse caso o licenciamento continuaria a tramitar em um único ente federado, preservando a competência principal prevista na Lei de Competências Ambientais.
O problema reside nos casos em que, de acordo com a Lei de Competências Ambientais, a União ou os municípios seriam os entes competentes para licenciar dada atividade. A pergunta que se coloca é saber como essa realidade conviveria com a regra, constante na Lei da Mata Atlântica, que atribui aos estados a incumbência de autorizar o corte ou a supressão de vegetação relacionada àquela mesma atividade ambientalmente licenciável.
Constata-se pelo menos duas possibilidades interpretativas diante desse problema.
Parcela da doutrina defende a tese de que deve prevalecer a competência dos estados para autorizar o corte ou a supressão na forma prevista na Lei da Mata Atlântica. Isso, especialmente, diante da expressa previsão contida no artigo 11 da Lei de Competências Ambientais, que dispõe:
Art. 11. A lei poderá estabelecer regras próprias para atribuições relativas à autorização de manejo e supressão de vegetação, considerada a sua caracterização como vegetação primária ou secundária em diferentes estágios de regeneração, assim como a existência de espécies da flora ou da fauna ameaçadas de extinção.
É a posição, por exemplo, de Édis Milaré:
Cuida-se de matéria com tratamento disforme em nosso ordenamento.
Com efeito, por um lado, a LC 140/2011 diz que “a supressão de vegetação decorrente de licenciamentos ambientais é autorizada pelo ente federativo licenciador” (art. 13, § 2º). Por outro lado, ocorrendo de a interferência incidir em vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, a Lei 11.428/2006 entrega a responsabilidade pela emissão da ASV ora ao órgão estadual competente (art. 14, § 1º), ora ao congênere do município (art. 14, § 2º).
Já, na disciplina do novo Código Florestal (Lei 12.651/2012), a incumbência foi conferida ao órgão estadual competente do SISNAMA (art. 26, caput).
É possível harmonizar esses comandos?
A nosso ver, a aparente antinomia pode ser descartada ante a distinção de duas situações: (i) de ASV em pleito licenciatório; e (ii) de ASV em pleito autônomo, não vinculado a licenciamento ambiental.
No primeiro caso, aplica-se, como regra, a LC 140/2011, por seu caráter orientador do pacto federativo ecológico, ou, na hipótese de intervenção em vegetação nativa do bioma Mata Atlântica, a Lei 11.428/2006, não só por ser lei especial (Lex specialis derrogat Lex generalis), mas, também, por força do disposto nos arts. 11 e 19 da referida LC 140/2011. No segundo caso, de pedido desvinculado do licenciamento, a lei de regência será o Código Florestal. [31] (grifo acrescido).
A sobredita interpretação, respeitosamente, não parece a mais adequada do ponto de vista jurídico, especialmente em função de seus potenciais efeitos.
Reputar que a competência para autorizar o corte ou supressão de vegetação do bioma de Mata Atlântica ainda seria dos estados pelo fato de se tratar de vegetação de Mata Atlântica, ou (i) resultaria na cisão ou repartição do licenciamento ambiental em dois procedimentos, enquanto que o licenciamento principal tramitaria perante um dos entes federados na forma veiculada pela Lei de Competências Ambientais, a autorização do corte ou supressão seria conduzida pelos estados, ou (ii) o fato de o estado autorizar o corte e a supressão de vegetação faria com que ele atraísse a competência para licenciar a atividade principal.
A pretexto, portanto, de manter válidas as disposições sobre competências veiculada na Lei da Mata Atlântica, essa operação hermenêutica ou aniquilaria a regra da concentração de competência para licenciar, em sentido amplo, em um único ente federado, ou, caso se optasse por preservar a regra do licenciamento em um único nível, tornar-se-ia juridicamente sem efeito os critérios de repartição de competências constantes nos artigos 7º, 8º e 9º da Lei de Competências Ambientais quando a atividade em questão estivesse localizada no bioma da Mata Atlântica.
Qualquer um dos encaminhamos seria impróprio, e, a bem da verdade, inconstitucional, já que ambos os preceitos da Lei de Competências Ambientais (uma lei complementar, sublinha-se), referente ao licenciamento em único nível e aos critérios de repartição de competências, regulamentam, de forma direta, o disposto no parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal, algo que a Lei da Mata Atlântica, lei ordinária, não tem o condão de fazer.
A segunda opção seria considerar que a Lei de Competências Ambientais, que estipula que a competência para autorizar o corte é do ente licenciador, deve prevalecer sobre a Lei da Mata Atlântica.
Essa corrente se justifica, pelo menos, por dois fundamentos. O primeiro reputa que a Lei de Competências Ambientais é especial, no que toca justamente à repartição de competências, em relação à Lei da Mata Atlântica. Essa é a posição de Pedro Niebuhr:
O regime procedimental previsto na Lei Complementar nº 140/11 deve prevalecer sobre a concepção originária da Lei nº 11.428/06 a respeito de competências. A Lei Complementar nº 140/11 é uma lei complementar, editada posteriormente à Lei nº 11.428/06, portanto, hierarquicamente superior e cronologicamente posterior à última.
Nesses casos, o critério hierárquico já seria suficiente para resolver a antinomia, dando-se preferência à Lei Complementar nº 140/11 em relação à Lei Ordinária nº 12.428/06.
Mesmo que se considerasse a prevalência do critério da especialidade, ainda assim cumpre reconhecer que a Lei Complementar nº 140/11 é especial no que toca à definição de competências, inclusive para aprovação de supressão de vegetação, em relação à Lei nº 11.428/06.
A Lei nº 11.428/06 é especial na sua matéria principal – que é definição dos
estágios sucessionais do bioma, vedações de corte etc. –, mas não é naquilo que se refere ao procedimento, aos aspectos formais[32]. (grifos acrescidos).
O segundo fundamento, que defende idêntico encaminhamento, ampara-se na ideia de proporcionalidade. É o que defende Marcelo Buzaglo Dantas:
O critério da especialidade não é suficiente para solucionar a questão, visto que, embora a Lei n. 11.428/06 trate especificamente do bioma Mata Atlântica, a LC n. 140/11 também é especial em razão de seu conteúdo ser específico em relação às competências em matéria ambiental. Nesse caso, tendo em vista que as duas leis são da mesma hierarquia, a antinomia poderia ser solucionada pela aplicação do critério cronológico, que, como já se verificou, não é de ser levado a extremos para evitar que a lei posterior prevaleça sempre, independente do seu conteúdo.
Resta, pois, a aplicação da máxima da proporcionalidade para resolver mais este conflito reinante na legislação ambiental.
Na hipótese, parece-nos que deva prevalecer o disposto na lei de competências ambientais (LC 140/11), visto ser muito mais adequado centralizar em um mesmo ente as atribuições para licenciar a atividade e autorizar a supressão de vegetação, até porque este órgão é o que possui maiores conhecimentos acerca da atividade como um todo[33]. (grifos acrescidos).
Não existem muitos precedentes judiciais que tenham, até aqui, decidido a controvérsia. Um desses precedentes, recentes, é de lavra do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Na ocasião, o interessado pretendia implantar um loteamento, atividade cujo licenciamento, pela tipologia do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Santa Catarina, era de competência do município.
Na tramitação do pedido de autorização de corte de vegetação, o órgão ambiental municipal declinou a competência para o órgão estadual ao argumento de que o assunto era regulado por um termo de delegação de competências firmado entre o órgão estadual e municipal, no qual ficava estabelecido que o órgão municipal autorizaria apenas pequenos volumes de corte. O interessado se opôs à remessa do processo de autorização de corte ao órgão estadual com base, entre outros argumentos, na obrigatoriedade de licenciamento em uma única esfera e na prevalência do disposto no §2º do artigo 13, cumulado com a alínea “b” do inciso XV do artigo 9º da Lei de Competências Ambientais, que atribuía ao município a competência para autorizar corte de atividades por si licenciadas. O argumento, subjacente, era de que o termo de delegação de competências firmado entre os órgãos ambientais estadual e municipal era inválido, porque pressupunha que a competência originária para autorizar a supressão seria do estado, com base na Lei da Mata Atlântica.
A ementa e o voto condutor do acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina prolatado nos autos do Reexame Necessário nº 5000180-92.2019.8.24.0139 são elucidativos:
REEXAME NECESSÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM MATA ATLÂNTICA. EMPREENDIMENTO DE IMPACTO LOCAL SUJEITO A LICENCIAMENTO PELO MUNICÍPIO. COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO LICENCIADOR PARA A CONCESSÃO DA AUTORIZAÇÃO DE CORTE. EXEGESE DA LEI COMPLEMENTAR N. 140/2011. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA DESPROVIDA.
Voto: […]
A Lei Complementar n. 140/2011, que trata da competência administrativa em matéria ambiental, estabelece que cabe ao órgão ambiental municipal autorizar o corte de vegetação em empreendimento que cause ou possa causar impacto de âmbito local sujeito a licenciamento pelo Município, como no caso: […]
A previsão também é especial e deve prevalecer em detrimento do que prevê a Lei n. 11.428/2006, referente ao Bioma Mata Atlântica, não só porque constitui matéria reservada a lei complementar, nos termos do art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal, mas também porque é a solução mais adequada à luz do princípio da proporcionalidade[34].
A despeito, portanto, de posições em sentido contrário, a melhor exegese aponta pela prevalência da Lei de Competências Ambientais em caso de potencial antinomia em face da Lei da Mata Atlântica.
Considerações Finais[1]
Referências
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 22º Edição. São Paulo: Atlas, 2021. Pg. 74.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais. Mapa de Vegetação Nativa na Área de Aplicação da Lei nº 11.248/2006 – Lei da Mata Atlântica. Brasília, 2015. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/images/arquivos/biomas/mata_atlantica/Relatorio%20Final%20Atualizacao%20do%20Mapa%20de%20cobertura%20vegetal%20nativa%20da%20Mata%20Atlantica%201.pdf. Acesso dia 03/02/2022.
BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Reexame Necessário. Mandado de Segurança. Meio ambiente. Supressão de vegetação em Mata Atlântica. Empreendimento de impacto local sujeito a licenciamento pelo município. Competência do órgão licenciador para a concessão da autorização de corte. Exegese da Lei Complementar N. 140/2011. Sentença mantida. Remessa desprovida. Acórdão na Remessa Necessária Cível n. 5000180-92.2019.8.24.0139. Rel. Desembargador Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 21-10-2021.
COSTA, Mateus Stallivieri da. Entenda onde se aplica a lei da Mata Atlântica. Disponível em: https://www.saesadvogados.com.br/2020/08/03/entenda-onde-se-aplica-a-lei-da-mata-atlantica/. Acesso dia 03/02/2022.
COSTA, Mateus Stallivieri da; SAES, Marcos André Bruxel; O Direito Ambiental como Matéria de Paixões: A suspensão da Resolução CONAMA 500 pelo STF e o princípio da legalidade. In: SILVA, Bruno Campos; AGRELLI, Vanusa Murta. Princípio da Legalidade no Direito Ambiental. Porto Alegre: Paixão, 2022 (346 – 367). Pg. 347-349.
DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, Pg. 148.
FARIAS, Talden. Competência Administrativa Ambiental: Fiscalização, sanções e licenciamento ambiental na Lei Complementar 140/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. Pg. 9-10.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6ª Edição. Freitas Bastos, 1957, n. 178. Pg.209.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 12º Edição.São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2020. Pg. 1036.
NIEBUHR, Pedro. Processo administrativo ambiental. 3ª ed. Belo Horizonte: Forum, 2021. Pg. 198.
SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 19ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. Pg. 196-197.
TORRES, Marcos Abreu. Conflito de normas ambientais na Federação. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2016. Pg. 95.
[1] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais. Mapa de Vegetação Nativa na Área de Aplicação da Lei nº 11.248/2006 – Lei da Mata Atlântica. Brasília, 2015. Disponível em: https://antigo.mma.gov.br/images/arquivos/biomas/mata_atlantica/Relatorio%20Final%20Atualizacao%20do%20Mapa%20de%20cobertura%20vegetal%20nativa%20da%20Mata%20Atlantica%201.pdf. Acesso dia 03/02/2022.
[2] COSTA, Mateus Stallivieri da; SAES, Marcos André Bruxel; O Direito Ambiental como Matéria de Paixões: A suspensão da Resolução CONAMA 500 pelo STF e o princípio da legalidade. In: SILVA, Bruno Campos; AGRELLI, Vanusa Murta. Princípio da Legalidade no Direito Ambiental. Porto Alegre: Paixão, 2022 (346 – 367). Pg. 347-349.
[3] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 22º Edição. São Paulo: Atlas, 2021. Pg. 74.
[4] SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de Direito Ambiental. 19ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. Pg. 196-197.
[5] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora; Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
[6] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: VI – florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;
[7] Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
[8] TORRES, Marcos Abreu. Conflito de normas ambientais na Federação. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2016. Pg. 95.
[9] Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
[10] Art. 1º-A. Esta Lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal; a exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais, e prevê instrumentos econômicos e financeiros para o alcance de seus objetivos.
[11] “Competência do Estado-membro para legislar concorrentemente, em contexto de condomínio legislativo, com a União Federal, em tema de defesa do meio ambiente, inclusive estabelecendo medidas para proteção ao meio ambiente marinho […]” (STF, ADI 6218-MC/RS, Relator Ministro Celso de Mello, decisão monocrática, DJe 03.2.2020).
[12] O conceito de uso alternativo do solo está veiculado no inciso VI do artigo 3º do Código Florestal: “substituição de vegetação nativa e formações sucessoras por outras coberturas do solo, como atividades agropecuárias, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte, assentamentos urbanos ou outras formas de ocupação humana”.
[13] Art. 26. A supressão de vegetação nativa para uso alternativo do solo, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá do cadastramento do imóvel no CAR, de que trata o art. 29, e de prévia autorização do órgão estadual competente do Sisnama.
§ 4º O requerimento de autorização de supressão de que trata o caput conterá, no mínimo, as seguintes informações: I – a localização do imóvel, das Áreas de Preservação Permanente, da Reserva Legal e das áreas de uso restrito, por coordenada geográfica, com pelo menos um ponto de amarração do perímetro do imóvel; II – a reposição ou compensação florestal, nos termos do § 4º do art. 33; III – a utilização efetiva e sustentável das áreas já convertidas; IV – o uso alternativo da área a ser desmatada
[14] Art. 31. A exploração de florestas nativas e formações sucessoras, de domínio público ou privado, ressalvados os casos previstos nos arts. 21, 23 e 24, dependerá de licenciamento pelo órgão competente do Sisnama, mediante aprovação prévia de Plano de Manejo Florestal Sustentável – PMFS que contemple técnicas de condução, exploração, reposição florestal e manejo compatíveis com os variados ecossistemas que a cobertura arbórea forme.
§ 7º Compete ao órgão federal de meio ambiente a aprovação de PMFS incidentes em florestas públicas de domínio da União.
[15] COSTA, Mateus Stallivieri da. Entenda onde se aplica a lei da Mata Atlântica. Disponível em: https://www.saesadvogados.com.br/2020/08/03/entenda-onde-se-aplica-a-lei-da-mata-atlantica/. Acesso dia 03/02/2022.
[16] Art. 8º O corte, a supressão e a exploração da vegetação do Bioma Mata Atlântica far-se-ão de maneira diferenciada, conforme se trate de vegetação primária ou secundária, nesta última levando-se em conta o estágio de regeneração.
[17] Art. 11. O corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração do Bioma Mata Atlântica ficam vedados quando:
I – a vegetação: a) abrigar espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, em território nacional ou em âmbito estadual, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a intervenção ou o parcelamento puserem em risco a sobrevivência dessas espécies; b) exercer a função de proteção de mananciais ou de prevenção e controle de erosão; c) formar corredores entre remanescentes de vegetação primária ou secundária em estágio avançado de regeneração; d) proteger o entorno das unidades de conservação; ou e) possuir excepcional valor paisagístico, reconhecido pelos órgãos executivos competentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA;
II – o proprietário ou posseiro não cumprir os dispositivos da legislação ambiental, em especial as exigências da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, no que respeita às Áreas de Preservação Permanente e à Reserva Legal.
Parágrafo único. Verificada a ocorrência do previsto na alínea a do inciso I deste artigo, os órgãos competentes do Poder Executivo adotarão as medidas necessárias para proteger as espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção caso existam fatores que o exijam, ou fomentarão e apoiarão as ações e os proprietários de áreas que estejam mantendo ou sustentando a sobrevivência dessas espécies.
[18] Art. 14. A supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida nos casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, ressalvado o disposto no inciso I do art. 30 e nos §§ 1º e 2º do art. 31 desta Lei.
§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.
§ 2º A supressão de vegetação no estágio médio de regeneração situada em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental municipal competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente, com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.
[19] Art. 25. O corte, a supressão e a exploração da vegetação secundária em estágio inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica serão autorizados pelo órgão estadual competente.
[20] Art. 30. É vedada a supressão de vegetação primária do Bioma Mata Atlântica, para fins de loteamento ou edificação, nas regiões metropolitanas e áreas urbanas consideradas como tal em lei específica, aplicando-se à supressão da vegetação secundária em estágio avançado de regeneração as seguintes restrições:
I – nos perímetros urbanos aprovados até a data de início de vigência desta Lei, a supressão de vegetação secundária em estágio avançado de regeneração dependerá de prévia autorização do órgão estadual competente e somente será admitida, para fins de loteamento ou edificação, no caso de empreendimentos que garantam a preservação de vegetação nativa em estágio avançado de regeneração em no mínimo 50% (cinqüenta por cento) da área total coberta por esta vegetação, ressalvado o disposto nos arts. 11, 12 e 17 desta Lei e atendido o disposto no Plano Diretor do Município e demais normas urbanísticas e ambientais aplicáveis; […]
Art. 31. Nas regiões metropolitanas e áreas urbanas, assim consideradas em lei, o parcelamento do solo para fins de loteamento ou qualquer edificação em área de vegetação secundária, em estágio médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, devem obedecer ao disposto no Plano Diretor do Município e demais normas aplicáveis, e dependerão de prévia autorização do órgão estadual competente, ressalvado o disposto nos arts. 11, 12 e 17 desta Lei.
[21] Art. 32. A supressão de vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração para fins de atividades minerárias somente será admitida mediante:
I – licenciamento ambiental, condicionado à apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, pelo empreendedor, e desde que demonstrada a inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto;
[22] Art 10 – A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do SISNAMA, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.
[23] FARIAS, Talden. Competência Administrativa Ambiental: Fiscalização, sanções e licenciamento ambiental na Lei Complementar 140/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. Pg. 9-10.
[24] Art. 7º São ações administrativas da União:
XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados; f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999; g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen); ou h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento.
[25] Art. 9o São ações administrativas dos Municípios:
XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos: a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs);
[26] Art. 8º São ações administrativas dos Estados:
XIV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º;
[27] Art. 7º São ações administrativas da União: […]
XV – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: […]
b) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pela União
[28] Art. 8º São ações administrativas dos Estados: […]
XVI – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e formações sucessoras em: […]
c) atividades ou empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado
[29] Art. 9º São ações administrativas dos Municípios: […]
XV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, aprovar: […]
b) a supressão e o manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo Município.
[30] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6ª Edição. Freitas Bastos, 1957, n. 178. Pg.209.
[31] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente, 12º Edição.São Paulo: Thomsom Reuters Brasil, 2020. Pg. 1036.
[32] NIEBUHR, Pedro. Processo administrativo ambiental. 3ª ed. Belo Horizonte: Forum, 2021. Pg. 198.
[33] DANTAS, Marcelo Buzaglo. Direito Ambiental de Conflitos, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, Pg. 148.
[34] BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Reexame Necessário. Mandado de Segurança. Meio ambiente. Supressão de vegetação em Mata Atlântica. Empreendimento de impacto local sujeito a licenciamento pelo município. Competência do órgão licenciador para a concessão da autorização de corte. Exegese da Lei Complementar N. 140/2011. Sentença mantida. Remessa desprovida. Acórdão na Remessa Necessária Cível n. 5000180-92.2019.8.24.0139. Rel. Desembargador Vilson Fontana, Quinta Câmara de Direito Público, j. 21-10-2021.
Artigo publicado na REVISTA DIREITO AMBIENTAL E SOCIEDADE, v. 13, p. 1-23, 2023.
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Professor dos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Direito da UFSC, onde leciona, pesquisa e […]
Deixe seu comentário
Ao publicar um comentário, você concorda automaticamente com nossa política de privacidade.
Deixe um comentário