26 | 10 | 2023

Responsabilidade civil do influenciador digital no mercado de consumo

A publicidade ostenta papel de destaque na sociedade moderna, constituindo importante veículo por meio do qual os fornecedores atingem os consumidores, buscando efetuar a venda de seus produtos e serviços. Não causa espanto que, com o avanço cada vez mais rápido da tecnologia nas mídias de comunicação, a forma de apelar ao público também evoluiu com essa mesma agilidade.

Foi-se o tempo em que a publicidade era realizada durante os intervalos dos programas de televisão ou nas mais compradas revistas do País. Já faz alguns anos que o mundo é digital e, com a ascensão explosiva das redes sociais, os fornecedores que atuam no mercado de consumo precisaram migrar para novos locais as tentativas de chamar a atenção dos consumidores.

E a migração faz todo o sentido: nós estamos conectados o tempo todo. Segundo pesquisa realizada pela Comscore, o Brasil é o terceiro maior consumidor de redes sociais do mundo, com 131,5 milhões de usuários que gastam 46 horas por mês navegando nos mais diversos aplicativos [1]. Como poderia uma empresa atenta ao mercado resistir à oportunidade de alcançar esses consumidores, que estão incessantemente acessando essas plataformas?

A maneira mais efetiva de se atingir esse objetivo tem sido por meio dos influenciadores digitais, pessoas que se destacam na internet por meio de suas redes sociais, angariando milhares de seguidores em razão da exposição de seu estilo de vida, de seus gostos ou de suas experiências [2]. Essas pessoas exercem influência sobre um determinado público, possuindo a habilidade de criar e influenciar a mudança de opiniões e comportamentos nas mais diversas áreas, como cultura e entretenimento, moda, cuidados com a saúde e corpo, gastronomia, entre outros.

Segundo pesquisa realizada pela plataforma Influencer Marketing Hub, o investimento mundial no mercado de influência digital aumentou 771% entre 2016 e 2021 [3], ao passo que, no Brasil, uma pesquisa conduzida pela agência internacional Nielsen revelou que, em 2022, o País já contava com mais de 500 mil influenciadores digitais, número superior ao de engenheiros, dentistas e arquitetos registrados nos respectivos conselhos profissionais [4].

E é justamente durante o compartilhamento dos conteúdos por eles produzidos diariamente que se forma uma relação de verdadeira confiança entre influenciador e influenciado, tornando-se o primeiro uma referência de comportamento para o segundo [5]. Tanto é verdade que, em uma pesquisa apresentada no Congresso Internacional de Administração, constatou-se que, em um universo de 414 internautas, 91,8% seguem ao menos um influenciador digital e que, desse percentual, 74,9% aceitam, às vezes, recomendações feitas por eles. Dos entrevistados, 78,5% tiveram contato com o ponto de venda de um produto indicado por um influenciador e 48,6% já adquiriram um produto por ele indicado [6].

Os maiores influenciadores, dotados de suas contas com milhões de seguidores e do potencial de atingir um enorme público, são regularmente contatados por diversas das maiores marcas do mercado para realizar a publicidade de seus produtos. E são pagos muito bem por isso – quanto maior o número de seguidores, maior o valor oferecido pelo anunciante.

A atividade do influenciador digital não é regulamentada no Brasil e os projetos de lei que pretendem regulamentá-la ainda estão longe de se tornarem realidade. Por enquanto, então, os influencers atuam no País sem uma lei específica que determine diretrizes a serem seguidas para seu trabalho, o que não quer dizer de forma completamente livre e desregrada.

Isso porque há leis que se aplicam perfeitamente ao seu ofício, como o Marco Civil da Internet, especialmente no que toca à responsabilidade por danos decorrentes do conteúdo gerado, e o Código de Defesa do Consumidor, principalmente em relação aos chamados “publiposts”.

Os “publiposts” são conteúdos criados pelos influenciadores sob patrocínio de marcas que atuam no mercado de consumo, como forma de incentivar as suas vendas mediante o pagamento de remuneração. O regramento a respeito da publicidade na legislação consumerista aplica-se integralmente à atividade ora estudada, sendo imposta ao influencer a observação dessas normas.

A doutrina consumerista avançou para ampliar o campo de aplicação do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, incluindo a figura do fornecedor por equiparação — aquele terceiro na relação de consumo, apenas intermediária ou ajudante da relação de consumo principal, mas que atua frente a um consumidor ou a um grupo de consumidores como se fornecedor fosse [7].

Antes da existência dos influencers, já se considerava fornecedor por equiparação a celebridade que era contratada para peça publicitária com o objetivo de influenciar os consumidores a adquirirem determinado produto ou serviço. Para Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, a celebridade poderia ser responsabilizada a partir do momento em que obtivesse benefício direto ou indireto do trabalho que desempenhou para determinado fornecedor [8].

E aqui surge um importante conceito na presente análise: a celebridade em questão assume uma posição de garante diante do consumidor em razão da forte influência que exerce. Tal poder de persuasão já é notado pelo próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, aplicado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), ao determinar que “o anúncio que abrigar o depoimento da pessoa famosa deverá, mais do que qualquer outra, observar rigorosamente as recomendações do Código” [9].

E é justamente em razão do poder de persuasão e de sua participação como ajudante e intermediário da cadeia de consumo que o influenciador digital, quando da realização do publipost, deve observar as disposições da legislação consumerista.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor e a doutrina especializada, a publicidade, inclusive aquela desenvolvida por atores intermediários, deve obedecer aos princípios da vinculação, da identificação, da veracidade e da não abusividade.

Segundo o princípio da vinculação, a oferta vincula o fornecedor nos termos do anúncio. Em caso de descumprimento, poderá o anunciante ser forçado ao cumprimento nos termos em que anunciou, o que demonstra a preocupação com o poder de influência que a publicidade exerce sobre os consumidores [10].

O princípio da identificação proíbe a publicidade clandestina, que esconde de alguma forma o produto ou serviço que está sendo anunciado. A ideia é que não seja possível confundir o consumidor por meio do conteúdo, de forma a estar sempre bem evidente que se trata de uma peça publicitária.

As divulgações de produtos por meio de publiposts, quando a prática ainda estava no início, eram comumente realizadas de maneira oculta, sem que se permitisse que os seguidores soubessem que estavam em contato com uma peça publicitária [11]. Por afrontar diretamente o princípio da identificação, notamos que atualmente são utilizadas formas de demonstrar ao público que o conteúdo é publicitário, como a inclusão da “#publi” ou mesmo “conteúdo publicitário” na descrição do post.

Os princípios da veracidade e da não abusividade impedem a realização da publicidade enganosa ou abusiva, ambas proibidas pelo Código de Defesa do Consumidor. É enganosa a peça publicitária inteira ou parcialmente falsa, que seja capaz de induzir o consumidor em erro a respeito do que está adquirindo, enquanto é abusiva aquela que é discriminatória, incita a violência, medo, superstição, desrespeita valores ambientais ou que é capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

A falha na observação desses princípios poderá resultar no surgimento da responsabilidade do influenciador pelos prejuízos percebidos pelos seus seguidores, de maneira a retirar a posição de que a atuação desses profissionais, embora ainda não seja dotada de regulamentação específica, não é livre de regras no ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo Lisiane Feiten Wingert Ody e Lúcia Souza D’Aquino, em caso de dano advindo de publicidade não identificada e/ou em desacordo com as normas legais, acima listadas, salvo se configurada excludente (culpa exclusiva, caso fortuito ou força maior, por exemplo), basta que o influenciador tenha obtido qualquer benefício do fornecedor para que se equipare a ele e tome lugar na relação de consumo e se configure o dever de responder, não apenas civil, mas também administrativa e penalmente [12].

Tais benefícios não se limitam ao valor pago pela produção do conteúdo, mas também podem ser verificados no caso de ganho de visibilidade, envio de produtos (os famosos “recebidos”) ou concessão de serviços [13].

E a responsabilização dos influenciadores guarda, sem dúvida, íntima relação com o fato de que se utilizam de sua influência, carisma e poder de persuasão para incentivar hábitos e comportamentos de seus seguidores [14], atraindo para sua atuação a tutela jurídica da confiança. Ao fomentar essa relação de confiança com seus influenciados, criam neles a legítima expectativa de segurança dos produtos e serviços que eventualmente venham a anunciar [15].

É perceptível, então, a necessidade de que as limitações do Código de Defesa do Consumidor sejam também observadas por esses novos profissionais, que possuem o poder de influenciar milhões de pessoas todos os dias em favor de um ou outro player do mercado de consumo. E, por muitas vezes, essa influência pode ser perigosa, como se verificou da recente polêmica do anúncio de um cassino online que oferecia valores milionários para alcançar o público dos influenciadores digitais [16].

Admitamos: na era em que vivemos, a tendência é que o mundo se torne cada vez mais digital e a atividade dos influencers cada vez mais comum e lucrativa. E é por isso que não deve demorar a entrar em vigor um marco legal brasileiro para essa atividade, como houve recentemente na França. Por lá proibiu-se, por exemplo, que os influenciadores realizassem publicidade de certos tipos de conteúdo, como procedimentos estéticos que representem riscos à saúde, criptoativos e sites de apostas (com os famosos portais de bets esportivas, tão famosos e utilizados no Brasil).

Tramitam no Congresso os Projetos de Lei nºs 929/2020, 1.282/2022 e 2.347/2022, que dispõem sobre o exercício da atividade profissional de “Blogueiro e Vlogueiro” e do influenciador digital. Os projetos, ainda incipientes, preveem um cadastro nacional de tais profissionais, assim como a necessidade de conhecimento técnico para atuação em determinada área.

O tema ainda necessita de extenso debate, mas é certo que os influencers precisam atuar com cautela desde o presente momento. A ausência de um ato normativo específico dá liberdade para que eventuais casos levados à justiça sejam julgados de maneira díspar e pouco ordenada, para se mencionar o mínimo. Cada julgador poderá aplicar, ou não, os dispositivos legais de uma ou outra legislação como entender pertinente, causando uma preocupante insegurança jurídica.

O que se pode recomendar, por ora, é que os profissionais respeitem sempre o direito à informação clara e adequada dos consumidores e os princípios fundamentais da publicidade, conforme já descritos, pautando-se na transparência, lealdade e boa-fé com seus seguidores — inclusive na escolha dos fornecedores com quem celebrarão contratos —, e tenham sempre conhecimento a respeito dos produtos e serviços que aceitam anunciar.


[1] Conforme matéria disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/03/brasil-e-o-terceiro-pais-que-mais-consome-redes-sociais-em-todo-o-mundo. Acesso em: 9 out. 2023.

[2] GASPARATTO, Ana Paulo Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra; EFING, Antonio Carlos. Responsabilidade civil dos influenciadores digitais. Revista Jurídica Cesumar, Maringá, v. 19, nº 1, p. 65-87, jan./abr. 2019.

[3] Conforme matéria disponível em: https://veja.abril.com.br/comportamento/pesquisa-revela-que-o-brasil-e-o-pais-dos-influenciadores-digitais. Acesso em: 12 jun. 2023.

[4] Conforme matéria disponível em: https://influencermarketinghub.com/influencer-marketing-benchmark-report/. Acesso em: 12 jun. 2023.

[5] ODY, Lisiane Feiten Wingert; D’AQUINO, Lúcia Souza. A responsabilidade dos influencers: uma análise a partir do Fyre Festival, a maior festa que jamais aconteceu. Civilistica.com,Rio de Janeiro, ano 10, nº 3, 2021, p. 3. Disponível em: https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/700. Acesso em: 25 set. 2023.

[6] SQUEFF, Tatiana Cardoso; BURILLE, Cíntia; RESCHKE, Ana Júlia de Campos Velho. Desafios à tutela do consumidor: a responsabilidade objetiva e solidária dos influenciadores digitais diante da inobservância do dever jurídico de informação. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 140, ano 31, p. 313-332, mar./abr. 2022.

[7] BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 8. ed. São Paulo: Ed. RT, 2017. p. 139.

[8] GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007. p. 158-159.

[9] SILVA, Carlos Mendes Monteiro da; BRITO, Dante Ponte de. Há responsabilização dos influenciadores digitais pela veiculação de publicidade ilícita nas redes sociais? Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 133, p. 205-221. jan./fev. 2021. p. 210.

[10] GASPARATTO, FREITAS, EFING, op. cit. p. 69.

[11] AZEVEDO, Marina Barbosa; MAGALHÃES, Vanessa de Pádua Rios. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais pelos produtos e serviços divulgados nas redes sociais. Revista eletrônica do Ministério Público do Estado do Piauí, Teresina, ano 1, ed. 2, p. 105-123, jul./dez. 2021. p. 109.

[12] ODY, D’AQUINO, op. cit., p. 3.

[13] Ibidem, p. 8.

[14] SQUEFF, BURILLE, op. cit., p. 315.

[15] GASPARATTO, FREITAS, EFING, op. cit., p. 78.

[16] Conforme matéria disponível em: https://portaldobitcoin.uol.com.br/blaze-vira-tema-nacional-e-influencers-colocam-o-dedo-na-cara-de-influencers-quem-e-o-donohttps://www.startse.com/artigos/como-o-caso-blaze-coloca-em-questao-influenciadores. Acesso em: 9 out. 2023.

Artigo publicado no portal Conjur em 25 de outubro de 2023.

Por

Comunicação Menezes Niebuhr

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


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