13 | 03 | 2023

Restituição ao Erário pelo Servidor Público: a aplicação do Tema 1.009/STJ pelo TJSC

Thais Helena Bastos - Menezes Niebuhr

O Superior Tribunal de Justiça possuía a compreensão de ser descabida a devolução ao Erário de valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, nos casos em que o pagamento reputado indevido se deu por erro da Administração Pública, representado pelo Tema 531[1].

Com o volume de julgamentos de mesma matéria, surgiu a necessidade de definir se o fixado no Tema 531 seria igualmente aplicável aos casos em que a quantia percebida a maior decorreu de erro administrativo ou se estava restrito aos casos de má interpretação da lei pela Administração Pública, bem como qual circunstância seria admitida para desobrigar a restituição ao erário.

Nesse contexto de necessária diferenciação, há um ano se estabeleceu o Tema 1.009, a partir do qual a Superior Corte estabeleceu uma distinção entre os erros administrativos (operacional ou de cálculo) e aqueles causados por má interpretação da lei, entendendo-se que os primeiros sujeitam o servidor público à devolução da verba recebida:

Tema 1.009. Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido. [Destaque acrescido].

Apesar do comando de restituição quanto à hipótese de erro operacional ou de cálculo, o próprio Tema 1.009 ressalva essa obrigação quando o servidor “diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido”[2]:

“4. Diferentemente dos casos de errônea ou má aplicação de lei, onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o servidor recebeu o valor de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, na hipótese de erro operacional ou de cálculo, deve-se analisar caso a caso, de modo a averiguar se o servidor tinha condições de compreender a ilicitude no recebimento dos valores, de modo a se lhe exigir comportamento diverso perante a Administração Pública.”

Ou seja, para afastar a devolução de valores e o argumento de que houve enriquecimento ilícito, é necessário que a presença da boa-fé objetiva do servidor público seja verificada caso a caso nos processos administrativos e judiciais.

Ao aplicar o Tema 1.009, o Poder Judiciário de Santa Catarina tem conferido tratamento específico à comprovação da boa-fé objetiva do servidor público, percorrendo, essencialmente, três etapas à resolução dos casos concretos que envolvem a devolução de valores.

Inicialmente, a Corte Estadual verifica se era possível ao servidor público constatar o desacerto quanto ao pagamento a maior (independe de qual seja sua causa, se má aplicação de interpretação de lei ou se erro operacional):

A partir do julgamento do Tema 1009 pelo STJ, firmou-se uma distinção entre os erros administrativos (operacional ou de cálculo) e aqueles causados por má interpretação da lei, entendendo-se que os primeiros sujeitam o servidor à devolução da verba indevidamente recebida. Embora essa nova posição não se aplique ao caso em razão da modulação dos efeitos do julgado, a própria tese ressalvou ‘as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido’. Hipótese dos autos que se amolda à exceção, justificando, também por isso, a concessão da segurança”[3] [Destaques acrescidos].

Nessa etapa, é importante que sejam examinados eventuais acréscimos e decréscimos financeiros advindos de questões funcionais (promoção de carreira, triênio etc.) ou laborais (início ou término do exercício de cargo comissionado ou função gratificada), que podem ou não dificultar a percepção por parte do servidor de eventuais valores depositados erroneamente pela Administração Pública.

Num segundo momento, o TJSC busca identificar se a Administração Pública atribuiu qualquer parcela de responsabilidade de ingerência ou de atuação maldosa ao servidor pela percepção dos valores. Ainda, avalia se a Administração foi capaz de delimitar a causa do pagamento a maior:

“Na espécie, as verbas questionadas estão relacionadas a um acréscimo surgido em benefício previdenciário (pensão) após pedido de revisão pela pensionista – a qual, mesmo não sendo servidora, teve ganhos pelo vínculo que possuía com quem detinha tal qualidade, daí porque a orientação firmada pelo STJ deve ser seguida. Só que não houve da parte do Poder Público sequer referência a alguma contribuição maldosa do particular (o próprio IPREV, aliás, reconheceu que tudo foi fruto de erro administrativo), muito menos se diz que o equívoco fosse de tal sorte saliente que devesse ou mesmo pudesse ter sido oportunamente percebido”[4].[Destaques acrescidos].

Verificados esses marcos, decorre a conclusão da ocorrência ou não de enriquecimento ilícito do servidor, como uma consequência de seu comportamento. Em sendo negativa a apuração, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina se socorre do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica para afastar a restituição dos valores, visto ter se criado uma falsa expectativa de que os valores recebidos eram legais:

“Na hipótese, a ação foi distribuída após o julgamento do Tema 1009 do STJ, todavia, evidente a boa-fé objetiva da parte autora. Isso porque o erro no cálculo dos proventos de aposentadoria, cuja retificação se deu por meio do Ato da DGA 1540, de 31/07/2017, que alterou de 98% para 96,38%, demonstra evidente erro de cálculo da administração, não sendo possível a parte autora constatar o pagamento indevido, notadamente em razão da ínfima diferença da porcentagem. 

Assim, tratando-se de erro da administração, o que onera o servidor diante da presunção de veracidade que reveste a Administração Pública nos seus atos, podendo ocasionar inegável insegurança jurídica, bem como significativo impacto nas contas mensais do servidor que se vê obrigado a restituir o montante e ainda corrigido monetariamente. Logo, criada a falsa expectativa de que os valores recebidos eram legais, inviável o pedido de ressarcimento, pelo que deve ser acolhida a pretensão autoral”[5]. [Destaques acrescidos].

A aplicação dos postulados protetivos, diga-se, vai ao encontro do decidido nos recursos representativos da controvérsia que resultou no Tema 1.009, vez que privilegia igualmente o princípio da dignidade da pessoa humana. Até mesmo na hipótese de ser determinada a restituição de valores, o desconto fica restrito a 10% da remuneração do servidor público, tal qual já determina a Lei n. 8.112/1990[6].

Nesse sentido, a atuação do Poder Judiciário de Santa Catarina mostra-se compatível com o teor do Tema 1.099, sem deixar de privilegiar a segurança jurídica.

Portanto, consoante delimitado pelo Tema 1.009, aplicável aos processos ajuizados a partir 19/05/2021, na hipótese de erro operacional ou de cálculo não incide automaticamente o disposto no Tema 531: deve existir, primeiro, uma verificação ativa da presença de boa-fé objetiva por parte do servidor. Em não sendo demonstrada a boa-fé, é correta a exigibilidade da restituição ao erário dos valores pagos indevidamente por erro de cálculo ou operacional da Administração Pública.

[1]Tema 531: Quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público. Fixado com a publicação do acórdão do REsp n. 1.244.182, em 19/10/2012, transitado em julgado em 21/11/2012.

[2] Recursos representativos da controvérsia: Recurso Especial n. 1.769.209/AL; Recurso Especial n. 1.769.306/AL; Recurso Especial n. 1.769.209/AL.

[3] Apelação n. 0324426-66.2015.8.24.0023, rel. Des. Jorge Luiz de Borba, Primeira Câmara de Direito Público, j. 31/05/2022.

[4] Apelação n. 5000678-97.2019.8.24.0040, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, Quinta Câmara de Direito Público, j. 25/01/2022.

[5] Recurso Cível n. 5021020-08.2021.8.24.0090, rel. Juiz Davidson Jahn Mello, Primeira Turma Recursal, j. 13/10/2022.

[6] Lei n. 8.112/1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores público civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Art. 46. […]; § 1o O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão.

Por

Thaís Helena Pereira de Moura Bastos

Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados


Mestranda em Direito do Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (2023/2025). Membro […]

Thais Helena Bastos - Menezes Niebuhr

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