08 | 04 | 2020
Por Stephanie Kanaan Kracik Rosa
Diante de um futuro incerto, o mundo indaga a extensão dos impactos da COVID-19. O vírus deixou de ser expectativa para se tornar protagonista de discussões e decisões no País. Com enfoque inicial e emergencial, foram adotadas medidas enfáticas a fim de restringir a circulação de pessoas e o funcionamento de setores do comércio. O objetivo de tais medidas é estabilizar o número de infectados e evitar o colapso do sistema de saúde. Contudo, pouco se discutiu acerca das repercussões econômicas e contratuais consequentes da pandemia. Será possível superar essa crise?
Sob a ótica econômica, mais especificamente das relações contratuais de direito privado, sobretudo nos contratos celebrados entre indústrias, fornecedores e pessoas, igualmente não há como negar o presente e futuro impacto da pandemia da COVID-19. O cerne da questão, portanto, está em como solucionar a complexidade dos problemas negociais ocasionados por essa repentina realidade.
Diante de tantas incertezas, salienta-se ser improvável a existência de resposta única e suficiente para esse questionamento, visto inexistir precedência à atual pandemia. Por isso, analisa-se a lógica do contrato privado e a possibilidade de utilização do instituto jurídico da força maior como instrumento apto a mitigar (ou não) o prejuízo nas contratações perfectibilizadas em momento anterior ao coronavírus.
Um contrato de natureza privada nada mais é do que a manifestação de vontades, em conformidade com a lei e a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos . Ou seja, para além do negócio celebrado, os pactuantes, em consonância com o ordenamento jurídico, criam regras a que voluntariamente desejam subordinar o próprio comportamento .
O caráter jurídico da força maior pode ser descrito como um fato da natureza, alheio ao agir humano e que projeta uma ideia de relatividade, já que a força do acontecimento (pandemia) era imprevisível e dificilmente poderia ser evitada. O artigo 393 do Código Civil dispõe que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Vale pontuar que, embora eventual contrato não contemple previsão acerca da ocorrência de força maior, o ordenamento jurídico entende o vazio como mera falta de declaração expressa da vontade. Ou seja, a lacuna não descura o direito de se valer do instituto. Contudo, não haverá isenção de responsabilidade por inadimplência nos instrumentos em que os contraentes expressamente pactuaram a aplicação de multa e apuração de indenização em caso fortuito ou de foça maior.
É inegável que a proliferação do vírus COVID-19 alterou obrigações originalmente pactuadas. Em face da superveniência de circunstâncias imprevisíveis, a teoria da imprevisão autoriza a revisão ou extinção dos contratos regidos pelo direito privado, no intuito de se obter condições mais humanas em determinadas situações. Ocorre, entretanto, que nem todas as situações contratuais podem ser compreendidas como excludentes de responsabilidade civil.
Ou seja, para que ocorra a resolução contratual por inexecução involuntária, não basta por si só a incitação do motivo de força maior, a relação entre o acontecimento e a justificativa do impedimento não pode ser abstrata. O instituto somente se apresenta nos casos em que comprovada a impossibilidade de cumprimento total de determinada obrigação, em virtude de situação extraordinária gerada pela pandemia. É o caso, por exemplo, de uma empresa de transporte que deveria entregar um produto em determinado prazo e, que, no entanto, é impedida de chegar até o local da entrega após o fechamento das fronteiras estaduais.
Nesse exemplo, justificar-se-ia a resolução por força maior, em virtude não só da impossibilidade de adentrar fronteiras, mas principalmente pela determinação de um prazo. O produto perderia sua validade e eficácia ao chegar ao destino em momento posterior ao aprazado. O inadimplente, todavia, não poderia ser responsabilizado por qualquer ônus ou penalidade, exceto, como já dito anteriormente, se expressamente tivesse se obrigado a ressarcir prejuízos resultantes de força maior.
Do contrário, se o cumprimento da obrigação permite flexibilização, a exemplo de contratação com empresa que terceiriza funcionários para limpeza de ambientes comerciais, a suspensão ou renegociação do contrato até o retorno do contexto de normalidade são medidas mais plausíveis do que invocar força maior para rescisão contratual. Isso porque o posto de trabalho continuará necessitando de limpeza, se não agora, em virtude de determinação oficial contrária à abertura de empresas que não forneçam serviços essenciais, no retorno de suas atividades.
Nesse sentido, importa ressaltar que para além da relação celebrada entre pactuantes, o contrato possui uma função social em consonância com a boa-fé. Em maior ou menor grau, a sociedade enfrentará os desafios causados pela diminuição de renda ocasionada pelo fechamento do comércio e encerramento de negócios. Ainda que em muitos casos seja juridicamente plausível a possibilidade de ser aventada a força maior para resguardar eventual inadimplemento contratual, no contexto fático de uma crise pandêmica a invocação a qualquer preço desse instituto poderá, em vez de mitigar prejuízos, ocasionar uma economia insustentável.
Por ser uma pandemia sem precedentes, os juízes não dispõem de jurisprudência específica para avaliação de casos concretos. Para além de casos análogos e doutrina, será necessário analisar os fatos com sabedoria e lucidez, visto que esta crise traz consigo um novo paradigma de gestão socioeconômica. Difícil ainda dizer quando e como será superada, mas uma coisa é certa: não haverá uso indistinto da força maior capaz de solucionar todos os problemas gerados pelo coronavírus. Terão que ocorrer muitos outros processos de evolução colaborativa para que se inicie um esboço de superação da crise. Por ora, mais do que força, o desejo é de coragem!
Por
Menezes Niebuhr Sociedade de Advogados
Comunicação Menezes NIebuhr
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